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CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA |
Proposição: | PLEI - Projeto de Lei Número: 116/2023 - Processo: 9930-00 2023 |
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RAZÕES DE VETO | |
A despeito do merecimento do Projeto de Lei nº 116/2023, cujo escopo é estabelecer as diretrizes para a criação e para o uso do saldo residual (crédito) dos valores pagos no sistema de estacionamento rotativo do Município de Juiz de Fora, de autoria do Vereador Julinho Rossignoli, vejo-me compelida a vetar o referido Projeto de Lei, já que não goza de substrato jurídico para subsistir na ordem constitucional vigente, ainda que seu propósito seja louvável. A Carta Política de 1988, em seu art. 2º, trata da separação de poderes, dispondo que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” É de se pontuar que a Constituição estabelece que os três Poderes são “independentes e harmônicos”. Nesta diretriz, a harmonia significa colaboração, cooperação, visando garantir que os Poderes expressem uniformemente a vontade da União e, por sua vez, a independência é a ausência de subordinação, de hierarquia entre os Poderes, de modo que cada um deles é livre para se organizar, nada obstante, um não pode intervir indevidamente na atuação do outro. À vista disso, não cabe ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, consagrado no art. 2º da CF e, da reserva de administração, autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, conforme o entendimento jurisprudencial do STF pela invalidade das denominadas leis autorizativas traçado na Representação nº 686-GB em 1966 e hoje pacificado na jurisprudência. Sobre o tema: Autorizativa é a “lei” que - em não podendo determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da “lei” começa por uma expressão que se tornou padrão: “Fica o Poder Executivo autorizado a...”. São possíveis, também, outras expressões autorizativas mais sutis. O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser “determinado”, mas é apenas “autorizado” pelo Legislativo. Tais “leis” constituem um vício patente. Obviamente, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos autorizar o que já lhe autoriza a própria Constituição. (BARROS, 2007, p. 249)[1] De acordo com a jurisprudência, o fato de a lei ser meramente autorizativa não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legítima iniciativa, isto é, não lhe retira a característica de inconstitucionalidade. O Projeto de Lei nº 116/2023 se mostra como uma proposição autorizativa, como verifica-se manifestamente nos arts. 1º e 4º e mediatamente nos demais dispositivos, sendo, portanto, inconstitucional. Com efeito, o Projeto de Lei nº 116/2023 dispõe sobre atribuições de órgãos do Poder Executivo, em ofensa à iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo em âmbito municipal - art. 36 da LOM - de modo a violar o princípio da separação de poderes. O PL no art. 1º busca instituir o saldo residual (crédito) no sistema de estacionamento rotativo do Município, estabelecendo o que é o saldo residual, hipóteses em que poderá ser utilizado e a vedação de reversão em valores monetários, no entanto, na esteira jurisprudencial, adentra em campos nos quais o Poder Legislativo Municipal não tem iniciativa das leis como se demonstra a seguir. O presente PL acaba por interferir diretamente na gestão administrativa do Município porquanto ao dispor no art. 2º a incumbência do gerenciamento do crédito pela empresa concessionária responsável pelo sistema de estacionamento rotativo, além do estabelecimento de novos encargos aos funcionários da empresa para a execução da iniciativa, o PL estabelece diversas ações a serem executadas por órgãos e entidades integrantes da estrutura administrativa do Poder Executivo. Nesse norte, o presente PL no art. 4º ao determinar que o Poder Executivo regulamentará a Lei pretendida no prazo de 30 (trinta) dias, especialmente com relação à forma de efetivação do saldo residual (crédito), novamente estabelece diversas ações a serem executadas por órgãos e entidades integrantes do Poder Executivo. Por fim, o Projeto de Lei em análise da mesma maneira interfere diretamente na administração municipal quando prevê no art. 5º que as despesas decorrentes da execução da Lei correrão por conta do orçamento vigente, suplementado, se necessário, uma vez que a previsão legislativa, em geral, impõe criações de despesas sem que haja previsão de fontes orçamentárias e financeiras, isto é, sem a correspondente fonte de custeio. Dessa forma, verifica-se que o PL nº 116/2023, de iniciativa parlamentar, é tipicamente referente à administração de uma política e um serviço a ser prestado aos usuários do sistema de estacionamento rotativo do Município, instituindo, por exemplo, obrigação ao Executivo Municipal de possivelmente criar novas atribuições a servidores ou mesmo realocá-los nos postos de trabalho e, por isso, padece de vício de inconstitucionalidade por invadir iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme o art. 66, III, “e”, da Constituição do Estado de Minas Gerais, norma aplicável aos municípios em razão do princípio da simetria, in verbis: “Art. 66 - São matérias de iniciativa privativa, além de outras previstas nesta Constituição: (...) III - do Governador do Estado: (...) e) a criação, estruturação e extinção de Secretaria de Estado, órgão autônomo e entidade da administração indireta;” Semelhantemente, a Lei Orgânica do Município (LOM) assim dispõe: “Art. 36 São matérias de iniciativa privativa do Prefeito, além de outras previstas nesta Lei Orgânica: (...) III - criação, estruturação, atribuição e extinção das secretarias ou departamento equivalente, órgão autônomo e entidade da administração pública indireta;” Ante o exposto, entendo que o Projeto de Lei nº 116/2023 ao criar no âmbito da Secretaria de Mobilidade Urbana e outras unidades administrativas atribuições e a adoção de medidas e ações, invade esfera de competência do Poder Executivo, sendo que a criação, estruturação, atribuição e extinção das unidades administrativas do Poder Executivo é atribuição privativa da Prefeita. Ao Poder Legislativo não se permite dispor sobre matéria de natureza eminentemente administrativa, destarte, o PL é formalmente inconstitucional, pois dispõe sobre atribuições de órgãos da Administração Pública, o que caracteriza verdadeira ingerência do Poder Legislativo Municipal. Logo, o Projeto de Lei nº 116/2023 padece de inconstitucionalidade formal e material por ferir a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, essencialmente no art. 66, III, “e”, da Constituição do Estado de Minas Gerais, por simetria, e art. 36, III, da Lei Orgânica do Município e, em última análise, os princípios constitucionais da reserva de administração e da separação de poderes, não se compatibilizando com o ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual o veto integral a esta proposição legislativa é medida que se impõe.
Prefeitura de Juiz de Fora, 24 de maio de 2024.
a) MARGARIDA SALOMÃO - Prefeita de Juiz de Fora. |