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CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA |
Proposição: | PLEIC - Projeto de Lei Complementar Número: 3/2020 - Processo: 6983-57 2013 |
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RAZÕES DE VETO | |
Vejo-me compelido a vetar integralmente o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar nº 3/2020 pelas razões que, a seguir, exponho. O PLC tem por objetivo a alteração do zoneamento dos loteamentos Mansões do Bom Pastor e São Vicente. Ocorre que a competência para iniciativa legislativa de leis referentes ao uso e ordenamento do solo urbano é exclusiva do Chefe do Poder Executivo. A Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, bem como promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme seu art. 30, incisos I, II e VIII. Ademais, o art. 182 da Carta Magna1 , atribuiu ao Município a responsabilidade pela política de desenvolvimento urbano, que deverá ser executada conforme as diretrizes gerais fixadas em lei e ter por objetivos o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Logo é preciso que se faça uma interpretação sistemática da Constituição Federal quando o tema se refere ao ordenamento territorial urbano, dada a sua natureza tipicamente administrativa. A análise superficial dos dispositivos constitucionais poderia fazer parecer que o Poder Legislativo municipal, ao deflagrar leis que alteram o zoneamento urbano, estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26, da Lei Orgânica do Município. No entanto, é imperioso reconhecer que o objeto deste PLC, por sua natureza, refere-se à atividade tipicamente administrativa. Assim, a competência estabelecida nos mencionados dispositivos não pode abarcar competências típicas da atividade administrativa, bem como as matérias condicionadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Em outras palavras, quando o art. 26 da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, certamente não está conferindo ao Poder Legislativo o direito de usurpar a atividade tipicamente administrativa, o que resultaria em flagrante afronta ao princípio da separação dos Poderes. Tem-se, portanto, que a pretensão legislativa consubstancia-se em ingerência nas funções constitucionalmente atribuídas ao Chefe do Poder Executivo, ou seja, extrapola a competência legislativa dos nobres Edis. Destaca-se, por importante, que, recentemente, uma lei do próprio Município de Juiz de Fora (Lei nº 12.530/2012), que originou-se do Projeto de Lei nº 206, de 2012, de autoria do saudoso Vereador Júlio Gasparette e dispunha sobre a política de uso e ocupação do solo, foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a qual foi julgada procedente pelo TJMG no ano de 2016 e teve sua decisão confirmada no Supremo Tribunal Federal, publicada em 27/04/2020. Veja-se: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.077.116 MINAS GERAIS - RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO - RECTE.(S) : MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA - ADV.(A/S) : WEDERSON ADVINCULA SIQUEIRA ADV.(A/S) : MARCOS EZEQUIEL DE MOURA LIMA - RECDO.(A/S) : PROCURADORIA DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - DECISÃO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - LEI MUNICIPAL - INICIATIVA - SEPARAÇÃO DOS PODERES - PRECEDENTES - AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou procedente pedido formalizado em processo objetivo, assentando inconstitucional a Lei nº 12.530, de 19 de abril de 2002, com a redação dada pelas Leis nº 12.698, de 21 de novembro de 2012, e nº 12.755, de 15 de janeiro de 2013, do Município de Juiz de Fora/MG, de iniciativa parlamentar, ante fundamentos assim resumidos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO PRESENTE. LEI MUNICIPAL. REGULARIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES, REFORMAS, MODIFICAÇÕES OU AMPLIAÇÕES DE EDIFICAÇÕES. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE PRESENTE. 1. A possibilidade jurídica da pretensão é aspecto puramente processual e consiste na existência abstrata de previsão do tipo de tutela jurisdicional pretendida ordenamento jurídico. 2. Compete ao município legislar sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme preveem os artigos 170 e 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais. 3. Incide em inconstitucionalidade a lei, resultante de iniciativa do Poder Legislativo, que dispõe sobre a regularização de construções, reformas, modificações ou ampliações de edificações, porque trata de matéria cuja iniciativa compete privativamente ao chefe do Poder Executivo. Assim, houve afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes. 4. Pretensão inicial da ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (…) 2. Há reiterados pronunciamentos do Supremo no sentido do reconhecimento da competência privativa do Chefe do Executivo para legislar sobre a criação, estruturação e, como na situação em jogo, atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública - artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal -, presente o princípio da separação dos poderes - artigo 2º da Lei Maior. Precedentes: ação direta de inconstitucionalidade nº 2.329, relatora ministra Cármen Lúcia, Pleno, acórdão publicado no Diário da Justiça de 25 de junho de 2010; agravo regimental no recurso extraordinário nº 653.041, relator ministro Edson Fachin, Primeira Turma, acórdão publicado no Diário da Justiça de 9 de agosto de 2016. Confiram a ementa da decisão formalizada nesse último processo: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÕES E ESTABELECE OBRIGAÇÃO A ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Acórdão recorrido que se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça 1 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. PREFEITURA DE JUIZ DE FORA DIÁRIO OFICIAL ELETRÔNICO DO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA ATOS DO GOVERNO DO PODER EXECUTIVO Publicado no Diário Oficial Eletrônico do dia 21/08/2020 2 obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. 3. Ante os precedentes, conheço do agravo e o desprovejo.” (grifos nossos) Vê-se que o PLC que altera a Lei nº 6.910/1986, modificando o zoneamento urbano, versa sobre matéria que é de competência do Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26, da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171, da Lei Complementar 82/2018 e art. 29, II e III, da Resolução nº 82/13 - SEPLAG, portanto, do Poder Executivo. As competências constitucionais atribuídas a cada um dos Poderes políticos é consectária do denominado princípio da separação dos poderes, que nada mais é que a repartição de funções estatais. Essa divisão revela-se necessária, pois quando exercidas por órgãos diferentes e autônomos entre si, sem qualquer subordinação, possibilitam uma atuação especializada na sua função típica, bem como o efetivo controle do Poder pelo Poder, com vistas à concretização do preceito constitucional previsto no art. 2º, da Constituição Federal. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal o Projeto de Lei Complementar por afronta ao artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como ao artigo 171, I, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Não bastasse o vício formal de iniciativa do processo legislativo, capaz por si só de fundamentar o veto jurídico integral ao PLC em análise, não se pode negar as inúmeras ilegalidades que violam, inequivocamente, o interesse público, a seguir expostas. I - DA INOBSERVÂNCIA DAS DIRETRIZES FIXADAS NO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA: O Supremo Tribunal Federal analisou, em sede de repercussão geral, a possibilidade de leis específicas tratarem sobre o ordenamento do espação urbano, Tema 348, e fixou a seguinte tese: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor.” Portanto, ainda que seja possível legislar sobre o tema em leis esparsas, é imprescindível que referidas leis considerem e observem as diretrizes do Plano Diretor. O Plano Diretor de Juiz de Fora, Lei Complementar nº 82, de 03 de julho de 2018, prevê diretrizes expressas que foram ignoradas pelo Poder Legislativo ao aprovarem Projeto de Lei Complementar sob exame, conforme manifestação do Departamento de Planejamento e Ordenamento Territorial. Trata-se de instrumento básico de política urbana e como tal contém diretrizes gerais e abstratas que orientam todas as demais leis referentes ao parcelamento, uso e ocupação do solo. Contudo, apesar da importância das diretrizes traçadas, o PLC não as observou. Conforme manifestação técnica do DPOT/SEPLAG a alteração da classificação da região para o zoneamento residencial nº 3 somente seria cabível se tivesse sido acompanhada das soluções técnicas apontadas no momento da tramitação do projeto, o que não ocorreu. Seriam necessários estudos na região, formalização da consulta à população, solução na infraestrutura precária existente e análise de impacto financeiro pela Administração Pública. Somente a adoção prévia destas medidas viabilizaria a alteração pretendida, pois garantiriam a capacidade de absorção do adensamento gradual e significativo decorrente de novos empreendimentos na região, em conformidade com o parecer técnico do DPOT/SEPLAG. A manifestação técnica realizada pela SEPLAG deixa claro que as mudanças pretendidas além de alterar o zoneamento das áreas que menciona, os amplia para atingir usos e atividades que fatalmente resultarão em necessária modificação da infraestrutura da área. Considerando a ausência de estudos prévios, necessários para a alteração, não resta outra saída senão o veto do presente Projeto de Lei Complementar. As alterações do zoneamento pretendidas pelo PLC em análise não observaram as diretrizes do instrumento básico do desenvolvimento da política urbana, elaborado com base em estudos técnicos complexos e mediante a gestão democrática da cidade. Portanto, apresenta inegável a afronta aos interesses públicos envolvidos, uma vez que contraria o bem estar dos habitantes da cidade, incorre em descumprimento da função social da cidade, e em especial, inobserva as diretrizes trazidas pelo Plano Diretor deste Município. Considerando que o Projeto de Lei Complementar nº 3/2020 apresenta vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, pois usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, prevista nos artigos 2º, 61, § 1º, II, “a”, da CF/88; e artigo 171, I, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Não bastasse a inconstitucionalidade apontada, é eivado de ilegalidades que resultam em afronta aos interesses públicos. Ante o exposto, necessário e imperioso o veto total ao Projeto de Lei Complementar nº 3/2020, conforme razões expostas alhures. Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros da Câmara Municipal.
Prefeitura de Juiz de Fora, 20 de agosto de 2020.
a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora. |