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CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA |
Proposição: | PLEI - Projeto de Lei Número: 45/2020 - Processo: 8715-00 2020 |
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RAZÕES DE VETO | |
Vejo-me compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 45/2020, elaborado pelos vereadores Rodrigo Mattos, André Mariano e Zé Márcio, cujo objeto é a vinculação da destinação das doações financeiras arrecadadas por campanhas particulares comumente chamadas de “Troco Solidário” (e/ou similares), praticadas por sociedades empresárias no âmbito do Município de Juiz de Fora. DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL: O Projeto de Lei tem como objetivo vincular a destinação de doações realizadas através de projetos solidários realizados no Município de Juiz de Fora. Em simples análise, as campanhas particulares mencionadas têm o seguinte mecanismo: o dinheiro que seria devolvido pela sociedade empresária ao consumidor a título de troco é recolhido e encaminhado a uma entidade filantrópica, a um hospital ou outra instituição de relevante interesse social. Comumente, este mecanismo recebe o nome de troco solidário. Estas campanhas solidárias nada mais são do que a exteriorização de um típico negócio jurídico bilateral, qual seja, a doação. Os arts. 538 e seguintes do Código Civil minudenciam o tratamento jurídico da doação, que possui o seguinte conceito legal: CC, art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Outra conclusão inafastável da análise acima é a de que a matéria do Projeto de Lei reside na competência legislativa privativa da União, por força do que dispõe o art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Trata-se de matéria inserida no campo do direito civil, o que afasta a competência legislativa municipal. Logo, o Projeto de Lei padece de vício de inconstitucionalidade formal orgânica: “Constituição Federal: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (…)” A bem da verdade, o objetivo do Projeto de Lei é cercear um contrato privado, impondo a destinação de verba de particular, matéria afeta ao direito civil. Sendo de competência privativa da União, entende-se que não compete ao Município de Juiz de Fora propor contornos específicos para o tema. O Supremo Tribunal Federal já possui consolidado posicionamento acerca da impossibilidade de a legislação municipal ou estadual avançar sobre o regramento privativo da União no que se refere ao direito civil, que pode se exemplificado na ADI 5.838 e na ADI 1.472. DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL: À parte do vício de inconstitucionalidade formal orgânica anteriormente minudenciado, o Projeto de Lei ora analisado também ofende a Constituição Federal em seu aspecto material. A tentativa de cercear a destinação dos recursos angariados nas campanhas particulares invade a esfera da autonomia das partes contratantes. Por se tratar de atividade privada, cabem aos particulares envolvidos a gestão da destinação das verbas a serem doadas. Ora, se o particular/consumidor não anuir com a destinação das verbas, cabe a ele não contratar, isto é, não doar o seu troco à campanha realizada pelo empreendedor. A liberdade contratual em um contrato de adesão reside justamente na autonomia de uma das partes de contratar ou não nos termos fixados pela outra parte. Cabendo apenas a uma das partes decidir qual a instituição será beneficiada pelas doações, a outra parte pode simplesmente optar por não contratar/doar, restando intacta a sua autonomia da vontade. No entanto, a vinculação, mediante lei, dos destinatários destes projetos particulares representa evidente cerceamento dos elementos volitivos de ambas as partes contratantes. A partir da análise acima, constata-se que não cabe a um terceiro, ainda que imbuído das mais nobres intenções, substituir a vontade das partes contratantes e destinar as verbas que compõem as doações das campanhas de troco solidário e/ou similares. O Município de Juiz de Fora não possui aptidão para atuar como censor de doações privadas, elegendo os destinatários destas. Além de não dispor de competência legislativa sobre a matéria, a intromissão do Município de Juiz de Fora em negócios particulares para limitar seus efeitos no território, quando sequer figura como contratante, apresenta-se demasiadamente irrazoável. Não é dever do Estado cercear campanhas particulares por identificar, sem parâmetros objetivos claros e lastreado apenas no aspecto da localidade, que determinada instituição local merece receber determinada doação, em detrimento de outra instituição situada em região diversa do país. Reitera-se, trata-se de atividade privada, de um contrato particular de doação. Qualquer ingerência estatal deve ser realizada apenas nos estritos termos da competência legislativa e no que for essencial ao contrato, o que não ocorre no caso ora analisado. No âmbito da regulação das atividades privadas, é dever do legislador atentar-se para o equilíbrio entre a restrição e o fim pretendido com esta. Neste caso a restrição atinge diretamente a liberdade sob a ótica da autonomia da vontade das partes contratantes, a igualdade, o objetivo fundamental de erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, a propriedade privada e a livre iniciativa. Logo, também há vício de inconstitucionalidade material no projeto ora examinado, tendo em vista que todos os valores acima enunciados são sensíveis para a República Federativa do Brasil, conforme se extrai da leitura do art. 5º, caput e inciso XXII, do art. 3º, inciso III, do art. 1º, inciso IV e do art. 170, todos da Constituição Federal. Ao dispor sobre a destinação de bens privados, o Legislador municipal tratou de direito civil, matéria de competência legislativa privativa da União, gerando vício insanável de inconstitucionalidade formal. Noutro passo, ao restringir de forma injustificada e desproporcional a esfera volitiva das partes contratantes, o Legislador municipal feriu materialmente a Constituição Federal, atentando contra a propriedade privada, a liberdade, a autonomia da vontade, a igualdade e o objetivo fundamental de erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, atingindo diretamente os arts. 5º, caput e inciso XXII, 3º, inciso III, art. 1º, inciso IV e 170, da Constituição Federal de 1988. Pelas razões jurídicas acima transcritas, o veto ao presente Projeto de Lei nº 45/2020 é medida que se impõe.
Prefeitura de Juiz de Fora, 19 de agosto de 2020.
a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora. |