Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEIC - Projeto de Lei Complementar
Número: 8/2020  -  Processo: 6983-60 2013

RAZÕES DE VETO

 Vejo-me compelido a vetar, integralmente, o Projeto de Lei Complementar nº 8/2020, de autoria do Ilustre Vereador Marlon Siqueira. O referido projeto pretende alterar o zoneamento previsto na Lei nº 6.910, de 31 de dezembro de 1986, para incluir no seu Anexo 7 as atividades de “Autoteatro” e “Autocine” nas categorias de uso do solo “Comércio e Serviços - Principal: Grupo 2 (P2)” e “Institucional - Principal”. O PLC foi alvo de análise técnica pelos setores responsáveis pelos assuntos pertinentes ao uso e ocupação do solo, a Subsecretaria de Assuntos Ambientais e Urbanos, que não apresentou objeções à sanção do PLC, mas afirmou que a matéria apresenta maior afinidade com as competências da Secretaria de Planejamento; o Departamento de Planejamento e Ordenamento Territorial - DPOT, que apresentou fundamentos suficientes para que o Secretário de Planejamento e Gestão exarasse manifestação técnica favorável à indicação de veto do PLC. O Projeto de Lei Complementar tem por objetivo a alteração do zoneamento urbano. Contudo, a competência para iniciativa legislativa de leis referentes ao uso e ocupação do solo urbano são de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em virtude de seu conteúdo tipicamente administrativo. A Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, bem como promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme seu art. 30, incisos I, II e VIII. Ademais, o art. 182 da Carta Magna, atribuiu ao Município a responsabilidade pela política de desenvolvimento urbano, que deverá ser executada conforme as diretrizes gerais fixadas em lei e ter por objetivos o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Logo é preciso que se faça uma interpretação sistemática da Constituição Federal, quando o tema se refere ao ordenamento territorial urbano, dada a sua natureza tipicamente administrativa. A análise superficial dos dispositivos constitucionais poderia fazer parecer que o Poder Legislativo Municipal, ao deflagar leis que alteram o zoneamento urbano, estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26, da Lei Orgânica do Município. No entanto, é imperioso reconhecer que o objeto deste PLC, por sua natureza, refere-se à atividade tipicamente administrativa. Assim, quando o art. 26, da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, certamente não está conferindo ao Poder Legislativo o direito de usurpar a atividade tipicamente administrativa, o que resultaria em flagrante afronta ao princípio da separação dos Poderes. Importante, ainda, ressaltar que a Constituição do Estado de Minas Gerais prevê no seu art. 171, I, alíneas “a” a “g”, competências legislativas do Município, pertinentes às atividades administrativas, motivo pelo qual, são matérias de competência privativa do Prefeito. Nesse sentido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Ação Direta Inconstitucionalidade 1.0000.13.054022-2/000 afirmou que “a criação de um projeto urbanístico para o Município é tarefa complexa, que deve ser realizada por técnicos da prefeitura ou profissionais por ela contratados, sob a supervisão do prefeito. Assim, cabe ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que tratam da matéria, não podendo, a Câmara Municipal, criar normas que cuidam de matéria eminentemente administrativa sem a sua anuência”. O TJMG asseverou ainda que “Compete ao município legislar sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme preveem os artigos 170 e 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais. (...). Assim, houve afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes”. A decisão judicial acima citada foi alvo de Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, no ARE1.077.116/MG e manteve-se inalterada pela Corte. Vê-se que o Projeto de Lei Complementar nº 8/2020 pretende alterar o zoneamento urbano estabelecido na Lei nº 6.910/1986. Logo, versa sobre matéria que é de competência do Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26, da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171, da Lei Complementar nº 82/2018 e art. 29, II e III da Resolução 82/13 - SEPLAG, por tanto, do Poder Executivo. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal o Projeto de Lei por afronta ao artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como ao artigo 171, I, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Não bastasse o vício formal de iniciativa do processo legislativo, capaz por si só de fundamentar o veto jurídico integral ao PLC em análise, não se pode negar que ele ignora preceitos legais de inequívoca importância de interesse público, consubstanciados em diretrizes previstas no Plano Diretor de Juiz de Fora. O Supremo Tribunal Federal analisou, em sede de repercussão geral, a possibilidade de leis específicas tratarem sobre o ordenamento do espaço urbano, Tema 348, e fixou a seguinte tese: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”. Portanto, ainda que seja possível legislar sobre o tema em leis esparsas, é imprescindível que referidas leis considerem e observem as diretrizes do plano diretor, por ser esse o instrumento básico do desenvolvimento da política urbana. O PLC deixou de observar uma diretriz central, prevista no prevista no § 1º, do art. 94, da LC nº 18/2018, a ser observada pelas demais legislações de parcelamento, uso e ocupação do solo. O dispositivo atribui ao órgão de planejamento territorial a competência para tanto e impõe que nas alterações legais seja garantida a participação popular, o que não ocorreu. A manifestação técnica da SEPLAG nos informa que “as atividades que se pretende inserir no Anexo 7 já são contempladas, pois revelam-se como espécie do gênero “drive-in”, inserida nas mesmas categorias abarcadas pelo Projeto de Lei Complementar, de forma que a sua sanção não acrescentará qualquer utilidade à legislação vigente”. Noutro giro, ainda que ao PLC trouxesse mudanças produtivas e significativas, nos termos justificados por seu propositor, o art. 21 da Lei que se pretende alterar atribui ao Executivo Municipal a competência para a inclusão de atividades que não se encontrem relacionadas em qualquer classe ou categoria do Anexo 7. Trata-se de dispositivo legal, infraconstitucional e coaduna-se plenamente com a competência privativa atribuída ao Chefe do Poder Executivo pela Constituição Federal e pela Constituição do Estado de Minas Gerais. Essa atribuição se justifica ante a necessidade de estudos complexos e prévios que devem ser realizados para que o zoneamento urbano permita o crescimento responsável e ordenado do Município, pois só assim se torna possível o cumprimento da função social da cidade, um princípio basilar, de matriz constitucional. Além disso, verifica-se que o processo legislativo é nulo de pleno direito, já que falta requisito inafastável - qual seja, a aprovação prévia pelo COMPUR, nos termos do estabelecido pelo Plano Diretor, Lei Complementar nº 82/2018. Assim, o PLC nº 8/2020 apresenta vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, pois usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas nos artigos 2º, 61, § 1º, II, “a”, da CF/88; o artigo 171, I, “b”, da Constituição do Estado de Minas Gerais, bem como é eivado de ilegalidades insuperáveis que resultam em afronta aos interesses públicos. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros da Câmara Municipal.

Prefeitura de Juiz de Fora, 19 de agosto de 2020.

a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora.



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