Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEIC - Projeto de Lei Complementar
Número: 5/2020  -  Processo: 8691-00 2020

RAZÕES DE VETO

 Vejo-me compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei Complementar nº 5/2020, cuja autoria é do Vereador Luiz Otávio Fernandes Coelho - Pardal. O referido projeto tem por objetivo a inclusão de novas Áreas de Urbanização Específica no Anexo 4, da Lei Complementar no 82, de 03 de julho de 2018, Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora. Contudo, seu teor contraria entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, viola os artigos 2º e 61, § 1º, II, “a”, da CF/88 e o artigo 171, I, “a”, da Constituição do Estado de Minas Gerais, conforme delineado no parecer da Procuradoria-geral do Município. O PLC foi alvo de análise dos setores técnicos responsáveis pelos assuntos pertinentes ao uso e ocupação do solo no âmbito do Poder Executivo. O Departamento de Planejamento e Ordenamento Territorial e a Subsecretaria de Planejamento do Território apresentaram fundamentos suficientes para que o Secretário de Planejamento e Gestão - SEPLAG exarasse manifestação técnica desfavorável à propositura legislativa. O PLC visa incluir diversas áreas no Anexo 4, da Lei Complementar nº 82/2018, para classificá-las como Zona de Urbanização Específica. Nada obstante, a competência para iniciativa legislativa de leis referentes ao uso e ocupação do solo urbano é privativa do Chefe do Poder Executivo, em virtude de seu conteúdo tipicamente administrativo. A Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, bem como promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme seu art. 30, incisos I, II e VIII. Ademais, o art. 182 da Carta Magna atribuiu ao Município a responsabilidade pela política de desenvolvimento urbano, que deverá ser executada conforme as diretrizes gerais fixadas em lei e ter por objetivos o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Logo é preciso que se faça uma interpretação sistemática da Constituição Federal quando o tema se refere ao ordenamento territorial urbano, dada a sua natureza tipicamente administrativa. A análise superficial dos dispositivos constitucionais poderia fazer parecer que o Poder Legislativo municipal, ao deflagar leis que alteram o zoneamento urbano, estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26 da Lei Orgânica do Município. No entanto, é imperioso reconhecer que o objeto deste PLC, por sua natureza, refere-se à atividade tipicamente administrativa. Assim, quando o art. 26 da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, certamente não está conferindo ao Poder Legislativo o direito de usurpar a atividade tipicamente administrativa, o que resultaria em flagrante afronta ao princípio da separação dos Poderes. Importante, ainda, ressaltar que a Constituição do Estado de Minas Gerais prevê no seu art. 171, I, alíneas “a” a “g”, competências legislativas do Município, pertinentes às atividades administrativas, motivo pelo qual, são matérias de competência privativa do Prefeito. Vê-se, desse modo, que o Projeto de Lei Complementar nº 5/2020, que altera o Plano Diretor, versa sobre matéria que é de competência do Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26, da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171, da Lei Complementar nº 82/2018 e art. 29, II e III, da Resolução 82/13 - SEPLAG, portanto, do Poder Executivo. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal o Projeto de Lei por afronta ao artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como ao artigo 171, I, “a”, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Não bastasse o vício formal de iniciativa do processo legislativo, capaz por si só de fundamentar o veto jurídico integral ao PLC em análise, não se pode negar as inúmeras ilegalidades que violam, inequivocamente, o interesse público, a seguir expostas. O Supremo Tribunal Federal analisou, em sede de repercussão geral, a possibilidade de leis específicas tratarem sobre o ordenamento do espaço urbano, Tema 348, e fixou a seguinte tese: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”. O PLC visa exatamente alterar o Plano Diretor de Juiz de Fora - PDP, mas o faz sem observar suas próprias diretrizes. O art. 8o do PDP prevê as diretrizes que deverão orientar a Política de Desenvolvimento Urbano e Territorial e o Plano Diretor Participativo. Os seus incisos III e IV dispõem como diretrizes, respectivamente, a “distribuição de usos e de intensidades de ocupação do solo, de forma equilibrada, para evitar ociosidade ou sobrecarga em relação à infraestrutura disponível, aos transportes e ao meio ambiente, e melhor orientar e alocar os investimentos públicos e privados” e a “compatibilização da intensificação da ocupação do solo com a ampliação da capacidade de infraestrutura para atender às demandas atuais e futuras”. A manifestação técnica do Departamento de Planejamento e Ordenamento Territorial - DPOT afirma que a expansão pretendida pelo Projeto de Lei Complementar imputará ao Município que assuma essas áreas como urbanas que, via de consequência, resultará na obrigatoriedade de execução de infraestrutura urbana, manutenção da já existente e oferta de serviços públicos. Realidade que gera preocupação administrativa, “considerando os desafios já impostos à manutenção de tais serviços em toda área urbana do Distrito Sede”. O DPOT pontua, ainda, que a infraestrutura precária de muitas vias e o consequente aumento por demandas de serviços públicos essenciais nas novas AUEs, caso sancionado, irão gerar gastos aos cofres públicos para atender uma população esparsa e com baixa densidade demográfica. E conclui afirmando que o aumento significativo do território urbano, da forma proposta pode culminar em áreas urbanas subutilizadas e/ou vazios urbanos em áreas com maior potencial do que as AUEs, contrariando os objetivos do PDP indicados no art. 9º, inciso II, de “estimular a ocupação das áreas subutilizadas dotadas de infraestrutura e no entorno da rede de transporte coletivo de alta e média capacidade”. Assim, não há como negar que a expansão pretendida inobservou diretrizes e objetivos expostos no PDP de Juiz de Fora. Outro apontamento técnico, de extrema relevância, indica que as áreas georreferenciadas no PLC estão inseridas na Macrozona de Desenvolvimento Urbano Sustentável e Apoio às Atividades Rurais - MZA, previstas no art. 60 e 61 do PDP, que “possui como diretriz principal a preservação ambiental para o uso sustentável da terra, já que encontram-se na Bacia do Rio do Peixe, o que nos direciona para o uso rural sustentável da terra e o controle da expansão urbana”. Esses objetivos específicos para a Macrozona de Desenvolvimento Urbano Sustentável e Apoio às Atividades Rurais coadunam-se com a diretriz expressa no inciso V do art. 8º do PDP, que impõe a “proteção da paisagem urbana e dos bens e áreas de valor histórico, cultural e religioso, dos recursos naturais e dos mananciais hídricos superficiais e subterrâneos de abastecimento de água do Município”. Como visto, as alterações propostas não observaram as diretrizes do Plano Diretor, que por sua vez são elaboradas com base em estudos técnicos complexos e mediante a gestão democrática da cidade. O opinativo técnico aponta, ainda, que grande parte das áreas abarcadas pelo PLC encontra-se inserida em áreas de relevância ambiental, regidas no PDP pelos artigos 121 e 122, denominadas Unidades de Proteção e Incremento Ambiental - APIA I e UPIA II. São “áreas destinadas à preservação e proteção do patrimônio ambiental, que tem como principais atributos remanescentes de Mata Atlântica e outras formações de vegetação nativa, arborização de relevância ambiental, vegetação significativa, alto índice de permeabilidade, existência de nascentes, dentre outros atributos que prestam relevantes serviços ambientais, como a conservação da biodiversidade, o controle de processos erosivos, de inundação, a produção de água e a regulação microclimática”. Nessa toada, essas unidades são fragmentos destinados à preservação ambiental, portanto incompatíveis com a expansão urbana pretendida. O art. 122 do PDP diferencia as duas espécies de UPIA. A Unidade de Proteção e Incremento Ambiental I é composta por “áreas cobertas por fragmentos da mata atlântica que possuem funções ambientais e ecológicas de produção e controle da disponibilidade hídrica e qualidade da água, de proteção da flora e fauna, controle da poluição edáfica, proteção de taludes e de ocupação de risco, regulação microclimática, melhoria da qualidade do ar, sequestro de carbono, efeitos visuais e paisagísticos, bem como qualquer valor agregado”. E a Unidade de Proteção e Incremento Ambiental II é composta de “áreas cobertas por fragmentos da mata atlântica, destinadas à proteção de ecossistemas naturais, devendo o seu território ser transformado em Unidade de Conservação (UC)”. Pelo dispositivo legal é incontestável a relevância ambiental das UPIAs, em especial a UPIA II, que destina-se a ser transformado em Unidade de Conservação. A Lei retrocitada regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o reconhece como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O PLC afronta a proteção ambiental, de matriz constitucional e devidamente materializada no PDP de Juiz de Fora. A pretensão do Legislativo, mais uma vez, visa a alteração do uso e ocupação do solo sem qualquer estudo técnico que fundamente a proposição, negando ao ordenamento territorial a importância que naturalmente lhe é conferida, sem contar a negativa reiterada às normas constitucionais, às legislações municipais e ao interesse público. É importante ressaltar, ainda, que a expansão da área urbana proposta não observou o disposto no art. 53, da Lei Federal no 6.766/79, que impõe a todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos a prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, segundo as exigências da legislação pertinente. Além disso, verifica-se que o processo legislativo é nulo de pleno direito, já que falta requisito inafastável - qual seja, a aprovação prévia pelo COMPUR, nos termos do estabelecido pelo Plano Diretor, Lei Complementar nº 82/2018. Assim, revela-se inegável a afronta aos interesses públicos envolvidos, uma vez que contraria o bem-estar dos habitantes da cidade, incorre em descumprimento da função social da cidade, e em especial, inobserva a competência do COMPUR e as diretrizes do Plano Diretor deste Município. Pelo exposto, o PLC nº 5/2020 apresenta vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, pois usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas nos artigos 2º, 61, § 1º, II, “a” da CF/88; o artigo 171, I, “a”, da Constituição do Estado de Minas Gerais, bem como é eivado de ilegalidades insuperáveis que resultam em afronta aos interesses públicos. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros da Câmara Municipal.

Prefeitura de Juiz de Fora, 18 de agosto de 2020.

a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora.



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