Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEIC - Projeto de Lei Complementar
Número: 4/2020  -  Processo: 6983-58 2013

RAZÕES DE VETO

Vejo-me compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei Complementar nº 4/2020, cuja autoria é dos Vereadores Pardal, Ana Rossignoli, Júlio Obama Júnior, Wanderson Castelar, André Mariano, Cido Reis, Zé Márcio, Sargento Mello, Kennedy Ribeiro, Marlon Siqueira e Juraci Scheffer. O referido projeto pretende alterar a Lei nº 12.450, de 26 de dezembro de 2011, a Lei nº 6.910, de 31 de dezembro de 1986, bem como a revogação expressa das Leis nº 11.357, de 10 de maio de 2007, nº 11.412, de 02 de agosto de 2007 e nº 10.240, de 26 de junho de 2002. Contudo, seu teor contraria entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, viola os artigos 2º e 61, § 1º, II, “a”, da CF/88 e os artigos 170 e 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais, conforme delineado no parecer da Procuradoria-geral do Município. O PLC foi alvo de análise dos setores técnicos responsáveis pelos assuntos pertinentes ao uso e ocupação do solo no âmbito do Poder Executivo. O Departamento de Planejamento e Ordenamento Territorial e a Subsecretaria de Planejamento do Território apresentaram fundamentos suficientes para que o Secretário de Planejamento e Gestão - SEPLAG exarasse manifestação técnica desfavorável à propositura legislativa. O PLC tem por objetivo a alteração do zoneamento estabelecido para vias de grande relevância para sistema viário do municipal, são elas: i) Av. Doutor Deusdedith Salgado, no trecho compreendido entre o Trevo Parque da Lajinha e o acesso à Rodovia Federal BR - 040; ii) Avenida Rubens Pinto da Silva, do sistema viário Sagrado Coração de Jesus e Teixeiras; e iii) Ladeira Alexandre Leonel. Nada obstante, a competência para iniciativa legislativa de leis referentes ao uso e ocupação do solo urbano é privativa do Chefe do Poder Executivo, em virtude de seu conteúdo tipicamente administrativo. A Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, bem como promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme seu art. 30, incisos I, II e VIII. Ademais, o art. 182 da Carta Magna atribuiu ao Município a responsabilidade pela política de desenvolvimento urbano, que deverá ser executada conforme as diretrizes gerais fixadas em lei e ter por objetivos o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Logo é preciso que se faça uma interpretação sistemática da Constituição Federal quando o tema se refere ao ordenamento territorial urbano, dada a sua natureza tipicamente administrativa. A análise superficial dos dispositivos constitucionais poderia fazer parecer que o Poder Legislativo municipal, ao deflagar leis que alteram o zoneamento urbano, estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26 da Lei Orgânica do Município. No entanto, é imperioso reconhecer que o objeto deste PLC, por sua natureza, refere-se à atividade tipicamente administrativa. Assim, quando o art. 26 da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, certamente não está conferindo ao Poder Legislativo o direito de usurpar a atividade tipicamente administrativa, o que resultaria em flagrante afronta ao princípio da separação dos Poderes. Importante, ainda, ressaltar que a Constituição do Estado de Minas Gerais prevê no seu art. 171, I, alíneas “a” a “g”, competências legislativas do Município, pertinentes às atividades administrativas, motivo pelo qual, são matérias de competência privativa do Prefeito. Vê-se, desse modo, que o Projeto de Lei Complementar nº 4/2020, que altera as Leis nº 6.910/1986 e nº 12.450/2011, para estabelecer a alteração do zoneamento urbano, versa sobre matéria que é de competência do Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26 da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171 da Lei Complementar nº 82/2018 e art. 29, II e III da Resolução 82/13 - SEPLAG, por tanto, do Poder Executivo. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal o Projeto de Lei Complementar por afronta ao artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, bem como ao artigo 171, I, “b” da Constituição do Estado de Minas Gerais. Não bastasse o vício formal de iniciativa do processo legislativo, capaz por si só de fundamentar o veto jurídico integral ao PLC em análise, não se pode negar as inúmeras ilegalidades que violam, inequivocamente, o interesse público, a seguir expostas. O Supremo Tribunal Federal analisou, em sede de repercussão geral, a possibilidade de leis específicas tratarem sobre o ordenamento do espaço urbano, Tema 348, e fixou a seguinte tese: “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”. Portanto, ainda que seja possível legislar sobre o tema em leis esparsas, é imprescindível que referidas leis considerem e observem as diretrizes do plano diretor, por ser esse o instrumento básico do desenvolvimento da política urbana. O Plano Diretor de Juiz de Fora, Lei Complementar nº 82, de 03 de julho de 2018, prevê diretrizes expressas que foram ignoradas pelo Poder Legislativo ao aprovarem o PLC nº 4/2020. Inicialmente, as vias afetadas pela alteração de zoneamento são pertencentes à Zona Sul da Cidade, nos termos dos art. 39 e 40 da Lei Complementar nº 18/2018 e como tal, possui diretrizes e objetivos específicos planejados para a região. Assim, o zoneamento de uma área urbana resulta do planejamento definido para as macroáreas e macrozonas nas quais se insere, nos termos do art. 42 do Plano Diretor. O art. 44 do Plano Diretor de Juiz de Fora estabelece que “A Macroárea de Requalificação, Consolidação e Expansão Urbana, destinada ao uso urbano diversificado, está situada integralmente na Área Urbana e contém grande parte da mancha urbana da cidade, excetuando-se porções onde apresentam-se condições específicas de ocupação, tais como a região da Represa Dr. João Penido, da Fazenda do Yung, do Retiro e de Graminha, bem como contém, ainda, áreas desocupadas destinadas à expansão urbana, apresentando padrões diferenciados de urbanização e desigualdade socioespacial”. A divisão da Marcroárea acima indicada se deu em macrozonas, dentre elas a Macrozona de Consolidação e Qualificação Urbana - MZQ, corresponde à região central e parte da Região de Planejamento Sul, na qual se encontram as vias que teriam o zoneamento alterado pelo PLC nº 4/2020. O Plano Diretor fixou as diretrizes a serem observadas pelo zoneamento e demais normas pertinentes à referida macrozona e no seu art. 50, IV prevê como objetivos o desenvolvimento do Plano de Reabilitação da Área Central de forma a garantir seu povoamento e utilização multiclassista através de ações específicas, dentre elas, inibir usos e equipamentos geradores de tráfego e reforçar as funções econômicas e os pequenos negócios. A manifestação técnica realizada pela Secretaria de Planejamento e Gestão, órgão legalmente responsável pelo zoneamento urbano, deixou claro que as mudanças de zoneamento pretendidas ampliam brutalmente os usos atualmente permitidos, o que resultará no aumento significativo do trânsito de veículo daquelas vias e de toda a região local. O estudo também esclarece que região na qual se inserem as vias não apresenta infraestrutura sanitária capaz de suportar o crescimento que se propõe. E vai além, pois alerta que em determinados trechos não se vislumbra nem mesmo o potencial alargamento das vias, que atualmente já comportam gargalos de tráfego, em especial nos horários de pico. Outro ponto relevante trazido pela SEPLAG concerne à incompatibilidade dos usos propostos com os já aprovados para loteamentos da região, o que tornaria possível, por exemplo, a instalação de uma atividade industrial ao lado de uma praça pública, voltada ao lazer da comunidade local, o que resultaria na imposta convivência de carretas de carga e descarga com o trânsito de crianças. Portanto, as alterações de zoneamento nas vias abarcadas pela Região Sul devem observar as diretrizes impostas para a macrozona na qual está inserida, vez que estabelecidas a partir de estudos técnicos complexos, bem como deve propiciar a participação popular para a edição de relativas ao parcelamento, uso e ocupação do solo. O PLC visa, ainda, a revogação da Lei nº 10.240, de 26 de junho de 2002, que dispõe sobre a Operação Urbana Ladeira Alexandre Leonel, de autoria do Poder Executivo. A operação urbana consorciada, conforme art. 32, § 1º da Lei Federal, nº 10.257/2001, configura-se em um “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Esse importante instrumento da política urbana permite alteração dos parâmetros de uso do solo da Ladeira Alexandre Leonel, no trecho a ser alterado pelo PLC, compreendido entre a Rua São Mateus e a Rua Miguel José Mansur, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário da aludida requalificação. A manifestação técnica da SEPLAG informa que além da revogação de uma lei que prevê contrapartidas favoráveis ao processo de urbanificação, ainda prevê “a alteração dos parâmetros urbanísticos de adensamento para permissão de novos usos, autoriza a instalação de inúmeras atividades permitidas para no XC5 e outras não permitidas”. Não apenas nesse trecho, mas em outros, a junção dos diversos tipos de uso para ZC5 (já previstos na Lei nº 6.910/1986) somadas aos que demais usos pretendidos, acaba por criar uma espécie de zoneamento, que sequer encaixa-se no ZC5. Tudo isso, sem estudos técnicos, contrapartidas e reavaliação dos demais parâmetros urbanísticos de ocupação. Além disso, verifica-se que o processo legislativo é nulo de pleno direito, já que falta requisito inafastável - qual seja, a aprovação prévia pelo COMPUR, nos termos do estabelecido pelo Plano Diretor, Lei Complementar nº 82/2018. Da leitura da proposição, verifica-se que está se alterando o uso do solo sem que tenha havido sua análise prévia pelo COMPUR, nos termos do dispositivo retrocitado. Portanto, revela-se inegável a afronta aos interesses públicos envolvidos, uma vez que contraria o bem-estar dos habitantes da cidade, incorre em descumprimento da função social da cidade, e em especial, inobserva a competência do COMPUR e as diretrizes trazidas pelo Plano Diretor deste Município. Assim, PLC nº 4/2020 apresenta vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, pois usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas nos artigos 2º, 61, § 1º, II, “a” da CF/88; o artigo 171, I, “b” da Constituição do Estado de Minas Gerais, bem como é eivado de ilegalidades insuperáveis que resultam em afronta aos interesses públicos. Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o Projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros da Câmara Municipal.

Prefeitura de Juiz de Fora, 29 de julho de 2020.

a) ANTÔNIO ALMAS – Prefeito de Juiz de Fora.



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