Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEIC - Projeto de Lei Complementar
Número: 1/2019  -  Processo: 6983-44 2013

RAZÕES DE VETO

Vejo-me compelido a vetar, integralmente, o Projeto de Lei Complementar nº 1/2019, que altera a Lei nº 6.910, de 31 de maio de 1986, que dispõe sobre o ordenamento do uso e ocupação do solo no município de Juiz de Fora, procedendo à autorização de exercício das atividades de clínica médica, fisioterápica, odontológica e de escritórios, incluindo os advocatícios e ramos congêneres, até o porte de 150 metros, nas ZR-2 (Zona Residencial 2) e ZR-3 (Zona Residencial 3). Inicialmente, há que se registrar que o PLC em foco deu entrada no Poder Executivo Municipal em 28/02/2020 e, nos termos do artigo 39, § 1º, da Lei Orgânica do Município, o prazo final para apresentação do presente veto ocorrerá em 20/03/2020. Em que pese a competência legislativa prevista no artigo 30, incisos I e II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevendo a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, há que se observar, numa interpretação sistemática da Constituição Federal, o disposto no art. 182 da Carta Magna que determina que a política de desenvolvimento urbano será executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas por lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Embora, numa análise primeira, se pudesse considerar que o Poder Público Municipal, através de sua Casa Legislativa, estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26 da Lei Orgânica do Município, há que se registrar que o objeto deste PLC, por sua natureza, se refere à atividade tipicamente administrativa. Assim, importante registrar que a competência estabelecida nos mencionados dispositivos legais não pode confrontar as competências típicas da atividade administrativa - típica do Poder Executivo, além das matérias condicionadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Em outras palavras, quando o art. 26 da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, esta função normativa não pode usurpar a atividade tipicamente administrativa, legislando sobre atribuição reservada ao Poder Executivo, em flagrante afronta ao Princípio da Separação dos Poderes. Este é o entendimento do TJMG, corroborado pelo STF, em situação similar que versa sobre lei deste Município, in verbis: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.077.116 MINAS GERAIS; RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO; RECTE.(S): MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA; ADV.(A/S): WEDERSON ADVINCULA SIQUEIRA ADV.(A/S): MARCOS EZEQUIEL DE MOURA LIMA; RECDO.(A/S): PROCURADORIA DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS; DECISÃO – RECURSO EXTRAORDINÁRIO - LEI MUNICIPAL - INICIATIVA - SEPARAÇÃO DOS PODERES - PRECEDENTES - AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou procedente pedido formalizado em processo objetivo, assentando inconstitucional a Lei nº 12.530, de 19 de abril de 2002, com a redação dada pelas Leis nº 12.698, de 21 de novembro de 2012, e nº 12.755, de 15 de janeiro de 2013, do Município de Juiz de Fora/MG, de iniciativa parlamentar, ante fundamentos assim resumidos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO PRESENTE. LEI MUNICIPAL. REGULARIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES, REFORMAS, MODIFICAÇÕES OU AMPLIAÇÕES DE EDIFICAÇÕES. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE PRESENTE. 1. A possibilidade jurídica da pretensão é aspecto puramente processual e consiste na existência abstrata de previsão do tipo de tutela jurisdicional pretendida ordenamento jurídico. 2. Compete ao município legislar sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme preveem os artigos 170 e 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais. 3. Incide em inconstitucionalidade a lei, resultante de iniciativa do Poder Legislativo, que dispõe sobre a regularização de construções, reformas, modificações ou ampliações de edificações, porque trata de matéria cuja iniciativa compete privativamente ao chefe do Poder Executivo. Assim, houve afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes. 4. Pretensão inicial da ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (…) 2. Há reiterados pronunciamentos do Supremo no sentido do reconhecimento da competência privativa do Chefe do Executivo para legislar sobre a criação, estruturação e, como na situação em jogo, atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública - artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal -, presente o princípio da separação dos poderes - artigo 2º da Lei Maior. Precedentes: ação direta de inconstitucionalidade nº 2.329, relatora ministra Cármen Lúcia, Pleno, acórdão publicado no Diário da Justiça de 25 de junho de 2010; agravo regimental no recurso extraordinário nº 653.041, relator ministro Edson Fachin, Primeira Turma, acórdão publicado no Diário da Justiça de 9 de agosto de 2016. Confiram a ementa da decisão formalizada nesse último processo: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÕES E ESTABELECE OBRIGAÇÃO A ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Acórdão recorrido que se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. 3. Ante os precedentes, conheço do agravo e o desprovejo.” Vê-se que o Projeto de Lei Complementar nº 1/2019, que altera a Lei nº 6910/1986, autorizando o exercício de determinadas atividades comerciais nas ZR 2 e 3, versa sobre matéria que é de competência do Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26 da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171, da Lei Complementar nº 82/2018 e art. 29, II e III da Resolução 131/19 - SEPLAG, e portanto, do Poder Executivo. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal o Projeto de Lei por afronta ao artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal. Além disso, verifica-se que o processo legislativo é nulo de pleno direito, já que falta requisito inafastável - qual seja, a aprovação prévia pelo COMPUR, nos termos do estabelecido pelo PDP - Lei Complementar nº 82/2018, in verbis: “Art. 185. São ainda competências específicas do COMPUR relativas à operacionalização de medidas vinculadas às normas e instrumentos urbanísticos: (...) II - deliberar, a partir de parecer analítico dos órgãos técnicos, sobre toda proposta de: (...) b) formulação ou revisão da legislação urbanística do Município de Juiz de Fora, em especial, as decorrentes do Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora;” Assim, a nulidade por vício no processo macula, igualmente, o PLC em comento de inconstitucionalidade ante a Lei Orgânica do Município. Da leitura da proposição, verifica-se que está se alterando o uso do solo sem que tenha havido sua análise prévia pelo COMPUR, nos termos do dispositivo retrocitado. Conforme o exposto, do ponto de vista jurídico, o Projeto de Lei Complementar nº 1/2019, tal qual aprovado pela Câmara, padece de inconstitucionalidade formal, nulidade por vício no processo legislativo e apresenta omissões técnicas já que não considera os limites das Unidades Territoriais, a partir dos quais são estabelecidos os zoneamentos. Não bastassem todas as razões acima, relacionadas ao processo legislativo, quanto ao mérito, a análise técnica da SEPLAG, abaixo transcrita, revela a inadequação do conteúdo do PLC, bem como a ausência de interesse público no mesmo: “Retorno a V. Sa. este expediente que trata de análise, em fase de sanção ou veto, da proposta de alteração legislativa pretendida pelo Projeto de Lei Complementar nº 1/2019, que dispõe sobre autorização de atividades de clínica médica, fisioterápica, odontológica e de escritórios profissionais, incluindo os advocatícios e congêneros, até o porte de 450m2, nos zoneamentos ZR-2 e ZR-3. A Supervisão de Planejamento do Uso e Ocupação do Solo - SPUOS apresenta em ff. 16/05 suas considerações sobre o projeto de lei em comento, que aprovamos por suas próprias e consistentes razões. O DPOT expõe sua preocupação, como já feito em outras manifestações técnicas, quanto à alteração de legislações do porte da Lei 6.910/86, que regula o uso e a ocupação do solo no Município de Juiz de Fora, sem a elaboração de um estudo que demonstre a adequação da proposição ao fim a que se almeja. Perguntas como: o que se pretende com a proposição apresentada? Qual o problema que reclama a solução proposta? Já existe outra norma tratando do tema? Em que impactará na sociedade, na economia, no ordenamento urbano a aplicação da norma proposta? O que acontecerá se a proposta for aprovada, e se não for? O problema se agravará se nada for feito ou se estabilizará? O que gerou o problema que se pretende corrigir? Há outras formas de se atingir o mesmo resultado? Quais indicativos serão avaliados para se confirmar a adequação da proposição no futuro? Quais os custos e benefícios com a aplicação da lei? A lei deve ter um objetivo, deve ser feita com atenção e de forma a conduzir que se alcance o resultado perseguido, mantendo coerência com as demais leis urbanísticas. A resposta a perguntas como as acima lançadas acima é de fundamental importância para se promover o bem comum da coletividade. Não foi possível ao órgão técnico, no prazo da manifestação de sanção ou veto, desenvolver estudos suficientes, com base nas informações contidas na Justificativa (5) e no corpo da proposta de lei (1), que justificasse apoio à proposição ou, ao menos, alcançasse o impacto de sua aplicação. Assim, no presente caso, em que o mesmo assunto foi tratado pelas Leis 8.461/1994, 9.228/1998, 37/2015, 62/2017, 86/2018, apenas com a redação do artigo 1º do presente Projeto de Lei Complementar 1/2019, sem as menções necessárias às demais leis que tratam do tema e aos limites efetivos das condicionantes a serem observadas, mais dúvidas se acrescentará à já conturbada aplicação dessas leis, razão de nossa indicação para o veto da proposição, sem adentrar ao seu mérito.” Pelas razões jurídicas e técnicas acima transcritas, o veto ao presente Projeto de Lei Complementar é medida que se impõe.

Prefeitura de Juiz de Fora, 19 de março de 2020.

ANTÔNIO ALMAS

Prefeito de Juiz de Fora.



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