Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEIC - Projeto de Lei Complementar
Número: 14/2019  -  Processo: 6983-52 2013

RAZÕES DE VETO

Vejo-me compelido a vetar, integralmente, o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019, que altera a Lei nº 6.910, de 31 de maio de 1986, que dispõe sobre o ordenamento do uso e ocupação do solo no município de Juiz de Fora, procedendo ao enquadramento da Rua José Apolônio dos Reis, no Bairro Aeroporto, na categoria ZC5, Zona Comercial 5. Inicialmente, cabe asseverar que a Constituição Federal de 1988, especificamente em seu art. 30, incisos I e II, discriminou a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber. Em que pese a competência supramencionada, há que se observar, numa interpretação sistemática da Constituição Federal, o disposto no art. 182, que determina que a política de desenvolvimento urbano será executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas por lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A princípio, em uma análise rarefeita poderia ser possível considerar que o Poder Legislativo Municipal estaria atuando nos limites traçados pela Constituição Federal, bem como com fundamento no artigo 26, da Lei Orgânica do Município. No entanto, é imprescindível apontar que o objeto deste PLC, por sua natureza, refere-se à atividade tipicamente administrativa. Assim, importante anotar que a competência estabelecida nos mencionados dispositivos legais não pode confrontar as competências típicas da atividade administrativa - típica do Poder Executivo, além das matérias condicionadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Em outras palavras, quando o art. 26 da LOM prevê que a Câmara Municipal pode “legislar sobre quaisquer matérias de interesse e competência legal do Município”, entretanto, esta função normativa não pode usurpar a atividade tipicamente administrativa, legislando sobre atribuição reservada ao Poder Executivo, em flagrante afronta ao Princípio da Separação dos Poderes. Aliás, este é o entendimento do TJMG, corroborado pelo STF, em situação similar que versa sobre lei deste Município, in verbis: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.077.116 MINAS GERAIS - RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO - RECTE.(S) : MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA - ADV.(A/S): WEDERSON ADVINCULA SIQUEIRA ADV.(A/S): MARCOS EZEQUIEL DE MOURA LIMA - RECDO.(A/S): PROCURADORIA DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - DECISÃO - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - LEI MUNICIPAL - INICIATIVA - SEPARAÇÃO DOS PODERES - PRECEDENTES - AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou procedente pedido formalizado em processo objetivo, assentando inconstitucional a Lei nº 12.530, de 19 de abril de 2002, com a redação dada pelas Leis nº 12.698, de 21 de novembro de 2012, e nº 12.755, de 15 de janeiro de 2013, do Município de Juiz de Fora/MG, de iniciativa parlamentar, ante fundamentos assim resumidos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO PRESENTE. LEI MUNICIPAL. REGULARIZAÇÃO DE CONSTRUÇÕES, REFORMAS, MODIFICAÇÕES OU AMPLIAÇÕES DE EDIFICAÇÕES. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE PRESENTE. 1. A possibilidade jurídica da pretensão é aspecto puramente processual e consiste na existência abstrata de previsão do tipo de tutela jurisdicional pretendida ordenamento jurídico. 2. Compete ao município legislar sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme preveem os artigos 170 e 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais. 3. Incide em inconstitucionalidade a lei, resultante de iniciativa do Poder Legislativo, que dispõe sobre a regularização de construções, reformas, modificações ou ampliações de edificações, porque trata de matéria cuja iniciativa compete privativamente ao chefe do Poder Executivo. Assim, houve afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes. 4. Pretensão inicial da ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (…) 2. Há reiterados pronunciamentos do Supremo no sentido do reconhecimento da competência privativa do Chefe do Executivo para legislar sobre a criação, estruturação e, como na situação em jogo, atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública - artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal -, presente o princípio da separação dos poderes - artigo 2º da Lei Maior. Precedentes: ação direta de inconstitucionalidade nº 2.329, relatora ministra Cármen Lúcia, Pleno, acórdão publicado no Diário da Justiça de 25 de junho de 2010; agravo regimental no recurso extraordinário nº 653.041, relator ministro Edson Fachin, Primeira Turma, acórdão publicado no Diário da Justiça de 9 de agosto de 2016. Confiram a ementa da decisão formalizada nesse último processo: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÕES E ESTABELECE OBRIGAÇÃO A ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Acórdão recorrido que se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos, matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. 3. Ante os precedentes, conheço do agravo e o desprovejo. Vê-se que o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019, que altera a Lei nº 6.910/1986, estabelecendo hipótese de alteração de limite de zona urbana e zona de expansão urbana, versa sobre matéria que é reservada ao Poder Executivo, vinculada ao Órgão de Planejamento Municipal - SEPLAG, conforme art. 26, da Lei Municipal nº 13.830/2019, art. 171, da Lei Complementar nº 82/2018 e art. 29, II e III da Resolução 82/13 - SEPLAG. Neste contexto, a autoria da Casa Legislativa inquina de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019, que viola os artigos 2º e 61, § 1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal. Portanto, o primeiro fator impeditivo da sanção decorre de vício ocorrido na fase de deflagração do processo legislativo. Como a Constituição Federal reservou, neste caso, o início do processo legislativo ao Chefe do Poder Executivo, a inobservância desta imposição gera o vício formal subjetivo insanável, maculando a norma em seu nascedouro, isto é, a lei, eventualmente sancionada, seria natimorta por ser inconstitucional. Nada obstante, identifica-se a ocorrência de outro vício de inconstitucionalidade no Projeto de Lei Complementar sob estudo. Este, por sua vez, incide no desenvolvimento do devido processo legislativo, que não foi respeitado. O Projeto de Lei Complementar nº 14/2019 carece de requisito inafastável, qual seja, a aprovação prévia pelo COMPUR, nos termos do estabelecido pelo PDP - Lei Complementar nº 82/2018, já em vigor, in verbis: “Art. 185. São ainda competências específicas do COMPUR relativas à operacionalização de medidas vinculadas às normas e instrumentos urbanísticos: (...) II - deliberar, a partir de parecer analítico dos órgãos técnicos, sobre toda proposta de: (...) b) formulação ou revisão da legislação urbanística do Município de Juiz de Fora, em especial, as decorrentes do Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora;” Assim, a nulidade por vício no processo legislativo macula, igualmente, o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019, dada a inconstitucionalidade ante a Lei Orgânica do Município. Da leitura da proposição, verifica-se que haveria alteração do uso do solo sem que tenha havido análise prévia pelo COMPUR, nos termos do dispositivo acima. Conforme exposto, do ponto de vista jurídico, o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019, tal qual aprovado pela Câmara, padece de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, bem como no próprio desenvolvimento do processo legislativo. Não há como sustentar a sanção da referida proposição em face dos vícios constatados. Em abono à explanação anterior, convém ressaltar que a doutrina debruça-se sobre esta última hipótese de vício no devido processo legislativo, identificando-a como inconstitucionalidade formal por violação aos pressupostos objetivos do ato, tal como se extrai da lição de Canotilho[1], adiante exposta: “Hoje, põe-se seriamente em dúvida se certos elementos tradicionalmente não reentrantes no processo legislativo não poderão ocasionar vícios de inconstitucionalidade. Estamos a referir-nos aos chamados pressupostos, constitucionalmente considerados como elementos determinantes de competência dos órgãos legislativos em relação a certas matérias (pressupostos objectivos).” A doutrina aponta que certos elementos vinculam o regular desenleio do processo legislativo. Se determinada formalidade externa ao processo de formação das leis é tida como pressuposto inafastável, a sua falta gera a inconstitucionalidade formal do produto do processo legislativo. Isso porque o pressuposto é encarado como elemento vinculado ao ato normativo. Não bastassem todas as razões acima, relacionadas ao processo legislativo, quanto aos aspectos materiais, a análise técnica da SEPLAG, cujo trecho colaciona-se abaixo, revela a inadequação do conteúdo do PLC, bem como a ausência de interesse público: (…) “Logo, tendo em vista a situação da área, as diretrizes gerais propostas pelo Plano Diretor Participativo de Juiz de Fora, os impactos negativos que poderão ser gerados na circulação de veículos nas operações de carga e descarga e embarque e desembarque em toda a área da proposta, na produção de ruídos e vibrações residenciais, na atração de veículos e pessoas, entendemos que a alteração do zoneamento poderá aumentar a demanda por mais infraestrutura, além de dificultar a implantação da via interbairros futuramente. Logo, caso ocorresse a alteração, seria prudente a previsão de dotações orçamentárias que contemplassem os gastos necessários ao alargamento da via, assim como as desapropriações necessárias para tal, para que então a mesma se adequasse à proposta de fomento aos usos e ao adensamento construtivo. Neste sentido, julgamos prudente a manutenção do zoneamento autorizado hoje pela Lei nº 9.910/1986, mantendo-se as condições urbanísticas do local, em porte e grau de incomodidade compatíveis, evitando-se a sobrecarga na infraestrutura urbana, até que sejam implantadas as alterações previstas no PDP.” Como se evidencia da leitura do trecho acima, o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019 padece, ainda, de vício de inconstitucionalidade material, por patente violação aos Princípios da Razoabilidade e da Função Social da Cidade, prevista no art. 182, da Constituição Federal. Revela-se, ainda, atentatório ao interesse público. Deste modo, o crescimento desordenado e alheio às políticas de expansão urbana se manifesta como violador das normas constitucionais expressas e implícitas da Carta Constitucional. Conclui-se que o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019 também é materialmente inconstitucional, pois viola as normas de ordenação jurídico-urbanísticas do solo e objetiva proceder com uma expansão desordenada da cidade, em desconformidade com os arts. 182 e seguintes da Constituição Federal. Assim, em razão do vício de inconstitucionalidade formal por inobservância da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para a deflagração do processo legislativo, do vício de inconstitucionalidade formal por inobservância de pressuposto objetivo do ato normativo e, ainda, do vício de inconstitucionalidade material decorrente da afronta ao art. 182, da Constituição Federal, verifica-se que o Projeto de Lei Complementar nº 14/2019 não se compatibiliza com o ordenamento jurídico pátrio. Pelas razões jurídicas e técnicas acima transcritas, o veto ao presente Projeto de Lei Complementar é medida que se impõe.

Prefeitura de Juiz de Fora, 10 de fevereiro de 2020.

ANTÔNIO ALMAS

Prefeito de Juiz de Fora



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