Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 106/2003  -  Processo: 4331-02 2003

PROC. DO LEGISLATIVO - ROBERTO THOMAZ - PARECER

Parecer nº80/2003-PL.rts Em 16/05/2003

Destinatário: Exmo. Sr. Vereador Eduardo de Freitas.

Referências:

1. Processo nº4331/2003 2ºv.

2. Projeto de lei nº106 a modificação da lei municipal nº8393/1993 e 8831/1996 que dispõem sobre complementação salarial aos servidores cedidos ao SUS no Município de Juiz de Fora/MG.

3. Autor da proposição - Exmo. Sr. Vereador Flávio Cheker.

Trata-se de pedido de parecer pertinente à análise da constitucionalidade e legalidade da proposição acima identificada.

É a síntese do necessário. Passo a opinar.

A matéria em tela está albergada, s.m.j., no conceito de interesse local, definido magistralmente por Celso Ribeiro Bastos, in Curso de Direito Constitucional, 1989, p.277:

“Cairá, pois, na competência municipal tudo aquilo que for de seu interesse local. É evidente que não se trata de um interesse exclusivo, visto que qualquer matéria que afete uma dada comuna findará de qualquer maneira, mais ou menos direta, por repercutir nos interesses da comunidade nacional. Interesse exclusivamente municipal é inconcebível, inclusive por razões de ordem lógica: sendo o Município parte de uma coletividade maior, o benefício trazido a uma parte do todo acresce a este próprio todo. Os interesses locais dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades imediatas, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com necessidades gerais.”

Neste acorde, não vislumbro vício no que cinge a atuação legislativa municipal, consoante preceito insculpido no dispositivo do art.30, I da CRFB/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

No concernente a iniciativa, a proposição em tela teve o seu nascedouro no Poder Legislativo de sorte que alguns de seus dispositivos poderiam ensejar alguma rusga ao Princípio da Separação entre os Poderes, considerando-se que se estende a complementação a um número não informado de servidores federais cedidos ao município, altera-se os parâmetros vigentes, o que, em tese, se consubstanciaria em disciplina para o exercício das funções administrativas do Poder Executivo, seu titular no acorde da Lei Orgânica Municipal, que por simetria repete o Texto Magno. Neste sentido doutrinou Hely Lopes Meirelles, em Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 9ª ed., p.511 e 520:

“As atribuições do prefeito são de natureza governamental e administrativa: governamentais são todas aquelas de condução dos negócios públicos, de opções políticas de conveniência e oportunidade na sua realização, e, por isso mesmo, insuscetíveis de controle por qualquer outro agente, órgão ou Poder; (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos, movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.”

Considero oportuno que a análise da matéria seja centrada em dois pontos distintos: a alteração do caput do art.1º e a extensão dos benefícios aludidos no parágrafo único conforme lei municipal nº8831/1996; a alteração de todo o art.2º.

No que cinge ao caput e parágrafo do art.1º, a argumentação de necessária extensão aos servidores federais por respeito ao Princípio da Isonomia, a mim me parece convencer, pois não haveria sentido ou razão jurídica plausível capaz de legitimar deferir-se um benefício aos servidores públicos estaduais cedidos e se preterir os servidores federais também cedidos ao Município de Juiz de Fora, os quais se encontram, a meu juízo, em condições substancialmente semelhantes. Neste acorde doutrina Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 2001, p.19:

“Todos, portanto, têm o direito de receber da Administração Pública o mesmo tratamento, se iguais. Se iguais nada pode discriminá-los. Impõe-se aos iguais, por esse princípio, um tratamento impessoal, igualitário ou isonômico. É o princípio que norteia, sob pena de ilegalidade, os atos e comportamentos da Administração Pública direta e indireta.”

Desta feita o móvel do Edil proponente tem matiz nitidamente constitucional na medida em que proporciona meios para que o Exmo. Sr. Prefeito Municipal possa alcançar também os servidores públicos federais cedidos com a CSV - complementação salarial variável, sem, contudo, condicioná-lo a tanto por se tratar de mera autorização legislativa.

Restaria apenas ultrapassar a disposição contida no preceito do art.70 da Lei Orgânica Municipal, verbis:

Art.70. São de iniciativa exclusiva do Prefeito as proposições de Projetos de Lei que disponham sobre:

I. criação, transformação ou extinção de cargos, funções ou empregos públicos na Administração Direta e Autarquias ou aumento de sua remuneração, observado o disposto no inciso XIX do art.61. Negrito nosso

Desta feita a alteração tem assento material na Carta Magna em razão do Princípio da Isonomia, todavia haveria um óbice de natureza formal articulado no bojo da Lei Orgânica que por simetria se espelha no Texto Magno que, a rigor, poderia ser amenizado se se sopesar que a proposição confere uma mera autorização, não vinculando o Poder Executivo e o Podesta.

No concernente aos demais dispositivos, imperioso registrar que:

. a alteração do caput do art.2º modifica os parâmetros para a complementação na medida em que sugere que a CSV seja indexada a diferença entre o vencimento básico ou salário do servidor estadual e federal no quadro do SUS a que pertencer e o padrão inicial da classe correlata no quadro municipal, enquanto que na redação vigente a diferença aplica-se sobre a remuneração do servidor cedido e o padrão inicial da classe correlata no município. Desta feita, a alteração importa em aumento de despesas se comparada com o parâmetro anterior, considerando-se que a diferença entre o vencimento básico dos servidores cedidos sujeitos a incidência de complementação e o padrão salarial será sempre superior a diferença que envolve o vencimento básico inicial e a remuneração dos mesmos servidores, pois a remuneração (vencimento + progressões + adicionais ou gratificações) é maior ou igual ao vencimento. Logo, há criação de despesas novas;

. a alteração do parágrafo único do art.2º retira do ordenamento municipal a vedação expressa de incorporação da CSV ao vencimento, ao provento de aposentadoria ou a pensão, trazendo a baila nova disciplina anteriormente inexistente, ou seja, que a remuneração dos servidores cedidos não poderá ultrapassar o salário do servidor municipal, todavia considerando-se a sua progressão horizontal, ou seja, cria-se um teto a CSV.

Seguindo por essa linha de raciocínio, todo o art.2º do projeto de lei cuja análise nos é solicitada, a meu ver, avança sobre as atribuições administrativas ínsitas ao Poder Executivo, além de aumentar despesas. Nesta toada, sem adentrar no conteúdo do projeto de lei, estar-se-ia legislando sobre tema constitucionalmente inserto na seara municipal, todavia afeto ao Poder Executivo do Município de Juiz de Fora, o que infringiria o dispositivo do art.2º da CRFB/88 e Lei Orgânica Municipal e dispositivo do art.6º da Carta Estadual.

A despeito do entendimento acima registrado, oportuno ponderar que o próprio Poder Executivo Municipal nem sempre coaduna com esta linha de raciocínio, pois sancionou, a título de exemplo, as leis municipais de nº9809/00, 9823/00, 9841/00, 9894/00, 9895/00 e muitos outros diplomas legais mais recentes que, mutatis mutandis, espelham ingerência do Legislativo em questões da alçada do Executivo, cujo conteúdo em muito se assemelha ao da proposição em análise.

Como se observa, é da essência do direito a existência de correntes distintas e com o caso vertente não é diferente. Embora me filie ao primeiro posicionamento, inolvidável registrar a controvérsia que trago a essa comissão.

Lado outro, a lei complementar nº101/00 se bate pela necessidade de feitio de impacto orçamentário-financeiro de sorte a estimar as despesas envolvidas no aumento proposto.

Desta feita, muito embora entenda que o art.1º é constitucional, não vislumbro melhor sorte a alteração dada ao dispositivo do art.2º e seu parágrafo por, a meu entender, não se perfilhar ao lado da melhor exegese constitucional. Todavia, registra-se entendimento diverso sustentado pelo próprio Poder Executivo e outros operadores do direito que se batem pela higidez constitucional de matéria análoga, nos moldes acima aduzidos, lastreado, ao que tudo indica, no preceito do art.73, §1º da Lei Orgânica Municipal e por entenderem respeitada incolumidade do Princípio da Separação entre os Poderes, princípio este que não teria tamanha extensão.

Diante do exposto, a matéria se insere dentro da competência municipal, não se fez acompanhar de estimativa de impacto orçamentário-financeiro, havendo controvérsia no que cinge a sua iniciativa, nos pontos acima ventilados, cabendo a essa Comissão de Legislação, Justiça e Redação balizar-se no entendimento que julgar mais consentâneo com o ordenamento jurídico.

Reiteramos nosso propósito de realizar quaisquer explicações complementares que eventualmente se façam necessárias.

É o parecer.

Roberto Thomaz da Silva Filho.

Procurador I



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