Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 35/2017  -  Processo: 7841-00 2017

MARCELO PERES GUERSON - DIRETORIA JURÍDICA - PARECER

PARECER Nº: 37/2017.

PROCESSO Nº: 7.841/2017.

PROJETO DE LEI Nº: 35/2017.

EMENTA: “Dispõe sobre vaga em creche para criança filho ou filha de pais com relação de trabalho, e dá outras providências”.

AUTORIA: Vereador Pardal.

I. RELATÓRIO

O Nobre Edil Zé Márcio, Membro da Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa, solicita parecer acerca da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei nº 35/2017, de autoria do Vereador Pardal, que: “Dispõe sobre vaga em creche para criança filho ou filha de pais com relação de trabalho, e dá outras providências”.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A Constituição Federal, bem como a Constituição de Minas Gerais dispõem, sobre normas que autorizam os Municípios a legislarem sobre assuntos de interesse local, senão vejamos:

Constituição Federal:

“Art. 30 - Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;”

Constituição Estadual:

“Art. 171 – Ao Município compete legislar:

I – sobre assuntos de interesse local”.

Por interesse local entende-se:

“Apesar de difícil conceituação, interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União). Apud Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p.290.

Verifica-se que a proposição em comento cria regras para o preenchimento de vagas nas creches, permitindo a prioridade no preenchimento dessas vagas, aos filhos de pais com relação de trabalho.

Dentro da Constituição Federal, o direito a creche é contextualizado como direito social e educacional. Além da necessidade imposta pelo fato de que os pais precisam trabalhar, o atendimento da criança em creche é um direito garantido constitucionalmente que deve ser respeitado e efetivado.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social;

(...)

XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas”.

Ainda no âmbito constitucional, o art. 205 põe a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”. Já o art. 208, em seu inciso IV, assim determina:

“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...)

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;”

Da mesma forma, o art. 53, IV, do referido diploma legal determina que o Estado deve assegurar “atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”.

Igualmente, o art. 4º, IV, da Lei 9.394/1996 assegura às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento gratuito e creches e pré-escolas.

O ECA, por seu turno, repete quase literalmente o dispositivo constitucional, porém, amplia a faixa etária que deve ser atendida por este aparelho educacional e assistencial:

“Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

(...)

IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”.

Portanto, a vaga na creche ou pré-escola é um direito fundamental da criança e está garantido constitucionalmente. O Estado assumiu a responsabilidade em fornecer a educação básica a todas as crianças sem distinção de sexo, cor, condição financeira, dentre outros.

Nesse diapasão, lei que visa garantir prioridade de vagas em creches municipais aos filhos de pais com relação de trabalho, fere o princípio constitucional da isonomia consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Um dos princípios fundamentais da democracia, a igualdade, está insculpida no art. 5º da Constituição Federal/88, que impõe um tratamento igualitário perante a lei, sem favorecimentos ou privilégios por quaisquer motivos.

Dessa forma, todos merecem tratamento igual perante a lei e igualdade de condições no plano fático.

Assim, a preposição em comento está maculada de vício formal de inconstitucionalidade ao ferir o princípio da isonomia preconizado no art. 5º, caput da Carta Magna. Assegurar a prioridade de vagas às crianças de pais com relação de trabalho seria cometer uma discriminação diante das demais crianças do município.

Não obstante, observa-se que o aludido projeto de lei, padece de outro vício de inconstitucionalidade, qual seja, o da iniciativa, por invadir a esfera de atribuições exclusivas do Poder Executivo, a quem compete impor atribuições a órgãos da administração pública (art. 36, III, da Lei Orgânica Municipal).

Assim, em que pese a nobre iniciativa da ilustre Vereadora de buscar maneiras de dar as mulheres que trabalham em creche oportunidade de atendimento aos seus filhos, em idade compatível, de utilizar o serviço municipal de creches do município, o presente projeto de lei ofende as disposições constitucionais, por tratar de função tipicamente administrativa e de exclusiva competência do Executivo.

Dessa forma, a gestão dos serviços públicos (in casu, os serviços de Creches) incumbe ao Poder Executivo, que o desempenha através de sua estrutura organizacional própria para tal mister, envolvendo os órgãos e servidores públicos correlatos.

O fato do Projeto de Lei garantir a prioridade de vagas às crianças de servidoras que trabalham em creches, interfere nas atividades administrativas, criando atribuição para os responsáveis pela gestão das creches.

Assim, o projeto de lei em comento implica violação ao princípio da separação harmônica de poderes, previsto no art. 173 da Constituição Estadual Mineira. Senão vejamos:

“Art. 173. São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo e o Executivo.

§ 1º. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições, e, a quem for investido na função de um deles, exercer a de outro”.

Nesse diapasão, a Lei Orgânica do Município traz em seu texto, as matérias de iniciativa exclusiva do Prefeito.

Art. 36 São matérias de iniciativa privativa do Prefeito, além de outras previstas nesta Lei Orgânica:

III – criação, estruturação, atribuição das secretarias ou departamento equivalente, órgão autônomo e entidade da administração pública indireta;

No entendimento do Tribunal de Justiça - MG:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) - LEI MUNICIPAL N. 11.045/2005 - MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA - VÍCIO DE INICIATIVA NO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO - INGERÊNCIA INDEVIDA DO PODER LEGISLATIVO EM MATÉRIA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - AUMENTO DE DESPESAS SEM PREVISÃO DE RECEITA - OFENSA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA. (Relator: Des. Roney Oliveira, Data de Julgamento: 10/06/2009, Data da publicação da súmula: 17/07/2009)

Destarte, verifica-se que a preposição em comento viola, de fato, o princípio da separação de poderes, notadamente na parte em que interfere na organização administrativa do Município.

Não é demais lembrar, que já existe no ordenamento jurídico do município a Lei nº 9.072, de 19 de junho de 1997, que “Dispõe sobre distribuição de vagas em creches mantidas pelo Poder Público Municipal”.

Tal norma traz, no seu art. 1º, incisos I e II, as condições no qual serão preenchidas as vagas nas creches mantidas pelo Poder Público Municipal. Senão vejamos:

Art. 1.º - O atendimento às crianças de zero a seis anos de idade em Creches mantidas pelo Poder Público Municipal dar-se-á segundo levantamento sócio-econômico dos beneficiados, desde que sejam atendidos pelo menos um dos critérios abaixo enumerados:

I - Estar a criança em risco social devidamente comprovado pelo serviço de assistência social da Associação Municipal de Apoio Comunitário - AMAC, ou Conselho Município dos Direitos da Criança e do Adolescente, resguardando-se sempre o direito da AMAC definir o atendimento mediante a disponibilidade de vagas em cada unidade de Creche Municipal.

II - Prova de que a família dispõe de renda familiar "per capta" compreendida entre zero a 01(um) salário mínimo.

Cumpre destacar aqui, o art. 4º da referida Lei consta que:

“Art. 4º A partir de 01.01.98, nenhum atendimento em Creches Municipais se dará a revelia do disposto nesta Lei”.

III. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sem adentrarmos no mérito da proposição, entendendo que a presente proposição viola o princípio da isonomia e o princípio da separação dos poderes, existindo vício de iniciativa, concluímos que o presente projeto de lei é inconstitucional e ilegal.

É o nosso parecer, s.m.j., que ora submetemos, à apreciação da digna Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa.

Palácio Barbosa Lima, 8 de março de 2017.

Marcelo Peres Guerson

Assessor Técnico

Aprovo a manifestação acima, dando-lhe força de parecer opinativo.

Gustavo Henrique Vieira

Diretor Jurídico



[CMJF - Câmara Municipal de Juiz de Fora] [iS@L]