Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 249/2019  -  Processo: 8607-00 2019

RAZÕES DE VETO

Vejo-me compelido a vetar, integralmente, o Projeto de Lei nº 249/2019, de autoria da Vereadora Ana Rossignoli, que trata da proibição da venda de seringas e agulhas descartáveis a menores de 18 anos de idade no Município de Juiz de Fora, especialmente nas farmácias e drogarias e dá outras providências. O tema do Projeto de Lei nº 249/2019 pode ser, a um só tempo, analisado à luz do art. 24, incisos XII e XV, que trata da competência legislativa dos entes federativos para tratar de previdência social, proteção e defesa da saúde, bem como da proteção à infância e à juventude. Sob o aspecto da proteção à criança e ao adolescente, constata-se que a comercialização de substâncias sujeitas ao controle especial pelo Estado não é permitida a menores de idade. A Lei Federal nº 8.069/1991, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, restrições à comercialização de determinados produtos, entretanto, não inclui neste rol a venda de seringas descartáveis. Noutro passo, a Lei Federal nº 5.991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências, estabelece em seu art. 1º que este diploma normativo regerá o controle sanitário dos produtos acima em todo o território nacional. Novamente, esta Lei não contempla restrição quanto à circulação em território nacional dos objetos tratados no Projeto de Lei sob análise. A partir da leitura da legislação destacada acima, é possível concluir que o tratamento do tema condizente com a proteção de menores de idade na aquisição de determinados produtos, bem como sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos já tem lugar em leis de caráter nacional, aplicáveis a todos os entes federativos. Identifica-se na inovação legislativa do Município de Juiz de Fora um tratamento mais rigoroso, incompatível com os paradigmas legislativos acima mencionados, gerando tratamento desarmônico se comparado com outros entes da federação, sem que exista de fato um interesse local diferenciado dos demais entes integrantes da federação. A legislação federal proíbe a venda de substâncias capazes de causar dependência física ou psíquica, o que não é o caso de uma seringa. Nada obstante, não consta restrição a estes produtos na legislação referente ao controle sanitário das atividades empreendidas pelos destinatários do projeto ora analisado. Não bastasse isso, a reprimenda constante no Projeto de Lei fere princípios de índole constitucional. Primeiramente, fere o princípio da proporcionalidade, um standard que deve ser observado pelo Estado em suas ações, muitas vezes dotadas finalidades econômicas, políticas ou sociais, como forma de avaliar a legitimidade destas ações, seus prós e contras. Em inúmeros casos, cabe ao princípio da proporcionalidade servir de termômetro para as ações estatais que restringem direitos. Conforme lição doutrinária, este princípio se materializa através “das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional”.[1] Através dos elementos da proporcionalidade, a atuação estatal, inclusive decorrente da atuação típica do Poder Legislativo, somente se compatibiliza com a ordem jurídica vigente se for necessária, adequada e proporcional em sentido estrito, elementos integrantes do princípio invocado. No primeiro elemento, da necessidade, tem-se que a atuação do Estado somente se legitima se for estritamente necessária para o caso e se não existir outra medida menos gravosa. No segundo elemento, da adequação, verifica-se se o meio escolhido é idôneo para o fim pretendido. Por fim, no terceiro elemento, da proporcionalidade em sentido estrito, analisa-se se o meio escolhido deve atingir o fim pretendido. Pois bem, o Projeto de Lei sob análise apresenta-se extremamente desproporcional ao fim pretendido. O art. 2º elegeu como punição pelo primeiro descumprimento da proibição a sanção de advertência. Após, se reincidente o infrator, caberá a sanção de multa cumulada com a suspensão da autorização de funcionamento por 30 dias. E, por fim, nova reincidência ocasionará a cassação da autorização de funcionamento da sociedade empresária infratora. Ora, é irrazoável que a venda de um produto de valor irrisório, que não possui como função principal a de ser utilizado para o uso de drogas ilícitas e, por fim, que não está condicionado a restrições de circulação por outras normas legais, ocasione a sanção de suspensão da autorização de funcionamento de um estabelecimento. Mais grave e desproporcional, ainda, é a cassação da autorização de funcionamento por uma transgressão que não merece tamanha reprimenda. Pelo crivo da necessidade, o Projeto de Lei não se justifica, pois existem outras políticas públicas voltadas à repressão e redução do consumo de drogas ilícitas, alternativas e menos gravosas do que esta medida. Quanto ao não atendimento da adequação, salta aos olhos a inidoneidade do meio e o fim pretendido, pois esta medida isolada, sem integrar política pública da área da saúde, não se revela adequada. Por fim, a repressão exagerada a uma transgressão relativamente leve denota a desproporcionalidade em sentido estrito da propositura sob exame. A gravíssima punição em caso de reincidência na violação da lei não se sustenta do ponto de vista ontológico. Isto é, não é possível justificar a razão de ser de uma punição tão grave para um ato que em um primeiro caso merece a punição de mera advertência. A graduação das punições já demonstra o salto desproporcional da reprimenda. É possível afirmar, ainda, que estas sanções desproporcionais ofendem fundamentos da República Federativa do Brasil, quais sejam, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, albergados no art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Do mesmo modo, atentam contra os princípios da ordem econômica consagrados pelo art. 170 da Constituição Federal, em especial o princípio da livre iniciativa. Considerando que a República é fundada nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como a partir do reconhecimento da importância da ordem jurídico-econômica fundamental, instaurada a partir do art. 170 e seguintes da Constituição Federal, não há outra ilação a ser formada senão a de que a medida punitiva pretendida pelo Projeto de Lei sob análise carece de mínimo respaldo constitucional. A partir de breve ponderação constata-se que as graves consequências das punições exageradas neste caso. Consequências, aliás, que seriam suportadas pelo empreendedor infrator, pelos seus respectivos empregados e até mesmo pelos clientes frequentemente atendidos, nos casos de aplicação das sanções elencadas nos incisos II e III do art. 2º. As faltas cometidas não teriam correspondência razoável com as sanções. É evidente a desproporção dos valores a se ponderar. Considerando a impossibilidade de inovar no ordenamento jurídico a partir do exame de veto, considero inviável a sanção parcial deste Projeto de Lei. Isso porque o veto parcial, restrito aos incisos II e III do art. 2º, teria como efeito propiciar apenas a sanção de advertência para as infrações, o que faria com que a lei perdesse a sua efetividade. Em outras palavras, a desproporcionalidade das sanções opera a necessidade de veto. No entanto, uma vez vetados os dispositivos que trazem as sanções desproporcionais, restaria apenas a sanção de advertência. Esta sanção de advertência por escrito, isoladamente, seria inócua aos fins pretendidos pelo Legislativo. Deste modo, não há outra solução senão o veto integral do Projeto de Lei. Pelas razões jurídicas e técnicas acima transcritas, o veto ao presente Projeto de Lei é medida que se impõe.

Prefeitura de Juiz de Fora, 11 de agosto de 2020.

a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora.



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