Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PRES - Projeto de Resolução
Número: 10/2019  -  Processo: 8412-00 2019

JUSTIFICATIVA

Pedro Nava 116 anos

O tempo não mata o passado

Máquina de escrever e cadeira do escritor juiz-forano, que revelou que a memória é uma coisa inextinguível, estão em biblioteca comunitária em Juiz de Fora.

Jorge Sanglard

Jornalista e pesquisador. Escreve em jornais no Brasil e em Portugal.

Se não tivesse se encantado em 13 de maio de 1984, há 35 anos, o escritor mineiro e maior memorialista brasileiro, Pedro Nava completaria 116 anos em 5 de junho de 2019. Em Juiz de Fora, a Biblioteca Comunitária Pedro Nava, situada no bairro Monte Castelo, é a depositária da máquina de escrever Remington e da cadeira de encosto do escritor juiz-forano, que revelou que a memória é uma coisa inextinguível. Os dois objetos de trabalho, que serviram durante toda a vida para Nava escrever sua grande obra memorialística, foram doados pela família e entregues pela professora doutora e pesquisadora Ilma de Castro Barros e Salgado ao então presidente da Sociedade Pró-Melhoramentos do Bairro Monte Castelo, vereador Wanderson Castelar, em 2013.

Tanto a máquina de escrever quanto a cadeira permaneceram durante 10 anos, por empréstimo, na reserva técnica do Museu de Arte Murilo Mendes, da UFJF. O então detentor dos direitos autorais da obra de Nava, Paulo Penido (1936 — 2013), sobrinho de Nieta (Antonieta Penido da Silva Nava — 13/01/1904 — 23/11/1994, que foi casada com o escritor), autorizou em carta de 26 de abril de 2013 a efetivação da doação e apenas recomendou "cuidado com o fantasma que acompanha a cadeira". Segundo Ilma Barros, a história remete ao fantasma de que, segundo Nieta, aparecera na referida poltrona como "um leve contorno de um homem alto, pernas esticadas". E o próprio Nava, no livro Galo das Trevas (1987, pags 42 a 47), afirmaria ter tido a impressão "de ver o catarse tinha uma existência absoluta. A prova disso, o escritor dava ao explicar: "eu tenho esquecido certas coisas que eu tinha completamente vivas dentro de minha memória depois que as pus por escrito. Depois delas escritas, desapareceram certas datas, certas pessoas. Certos aborrecimentos que eu tinha com determinadas pessoas desapareceram completamente. Eu fiz uma espécie de pazes com muita gente através da minha literatura um pouco vingativa sobre algumas pessoas que me desagradaram".

A partir da publicação do livro Baú de Ossos, editado em 1970, a critica brasileira passou a considerar a obra de Pedro Nava como um dos mais significativos acontecimentos da literatura brasileira e um marco na memorialística. Ao explicar seu processo de escrita, Nava confidenciou: "O escrever é difícil, depois não. Até quando eu quero lembrar, gosto de reler; porque eu confesso que releio muito o que escrevo, não só na pesquisa de incorreções como também para aprender a não cair mais nelas. Isso porque eu não gosto de alterar o texto". Enfático, declarou: "Um texto, mesmo errado, fica errado e eu faço a correção em notas de um outro livro que venha depois". Nava não admitia alterar o texto escrito, porque "o texto é inalterável". E foi mais além em sua explicação: "O que está escrito está escrito. É como um sujeito alterar um retrato, uma pintura, ou alterar uma escultura. Não dá. Acrescentando ou tirando, muda completamente. Há uma harmonia entre as partes que tem de ficar, de modo que esse erro entra corrigido depois de uma maneira indiferente numa nota".

Mais especificamente sobre o método de escrever, o memorialista ressaltou que o ato requeria uma disciplina que foi sendo aprendida aos poucos. De uma conversa surgida, de onde algum fato poderia servir como um princípio de algo literário, o escritor tomava nota imediatamente, mesmo que fosse desordenadamente em cadernos. Nesses cadernos, Nava ia tomando nota de tudo que pudesse ser desenvolvido literariamente. Quando partia para escrever um capítulo, pensava muito no que seria escrito. Assim, ia "organizando o esqueleto", articulando o sumário do que seria escrito. Após consultas nos cadernos de escritos, numerava e punha o número ao lado daquele esqueleto. Só depois, partia para a máquina de escrever. Às vezes, durante a própria criação, nascia uma porção de modificações no texto. As modificações entravam e, depois, o escritor retomava e recompunha. E não escondia detalhes: "Eu não tenho obediência cega ao esqueleto, quer dizer, não tenho uma disciplina militar prá escrever aquilo. Eu caio fora, mudo o encadeamento, corto, descolo, ponho em outro lugar, levo prá diante, colo papelzinho aumentando onde devo entrar. Eu jogava fora esses cadernos e esses originais. Escrevia em minha máquina e com uma cesta que, aliás, é um balde, um tacho de papel inútil ao lado. Cada ficha que eu usava eu amassava e jogava fora. Dos dois primeiros livros, eu destruí completamente tudo quanto serviu de esboço, de esqueleto e de ficha".

Foi após uma conversa com o poeta Carlos Drummond de Andrade —"justamente o nosso Drummond"—, sobre isso, que Nava mudou um pouco a prática de jogar papéis fora. Drummond disse a ele na ocasião: "Mas você não faça isso. É o cúmulo o que você está fazendo. Papel não se joga fora!". Pedro Nava revelou, na ocasião, ter aprendido isso com Drummond: "a expressão literalmente é dele. Ele não jogava coisa nenhuma, nem poema que ele achava ruim, que não prestasse. Ele guardava, de modo que comecei a guardar e a valorizar o que movimentava de papéis, de idéias, de coisas, pelos milhares de fichas que fui juntando depois de usá-las e pelas centenas de páginas que eu fui usando também desses esboços, desses esqueletos que eu ia fazendo".

Ao ser questionado, na referida entrevista, sobre o que constaria no último volume de suas memórias, revelou irônico: "será quando eu morrer, é o que vão contar: "Faleceu na data de hoje o autor dessas memórias deixando-as nesse ponto". E não deixou dúvidas quanto ao assunto: "Eu vejo isso da seguinte maneira: a memória é uma coisa inextinguível. Nós acabamos, mas a memória acaba conosco também, e acaba interrompida, porque tudo é interrompido, a vida é interrompida também. São coisas que estão fora de mim. O que está dentro de mim acaba comigo. O fim das minhas memórias é o fim da minha atividade material. O meu ciclo se encerra, acaba. A minha vida acaba naquele momento, de modo que um relato de memória não tem fim. Qual foi a memória que teve fim? Foi o livro do Proust, por exemplo, porque ele acabou, ele fez um ciclo de uma sociedade. Ele tinha como plano aquilo, e não escrever memórias. Ele foi um memorialista, mas fez principalmente o romance dele onde há 70% de memória. Mas tinha um fecho, ele tinha de acabar aquilo de uma maneira... e acaba terrivelmente, ele acaba sem acabar, ele solta o indivíduo no tempo. A última palavra que ele usa é Tempo, com 'tê' maiúsculo.

Palácio Barbosa Lima, 30 de abril de 2019.

 



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