Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 140/2018  -  Processo: 7834-00 2017

BETHÂNIA REIS DO AMARAL - DIRETORIA JURÍDICA - PARECER

Parecer nº 214/2018

Processo nº 7934/2017

Projeto de Lei nº 140/2018

Objeto: Dispõe sobre a obrigatoriedade do Município de Juiz de Fora de fornecer os medicamentos na rede pública de saúde aos pacientes que apresentem receitas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS, e dá outras providências.

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Ementa: Análise da Legalidade e Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 140/2018 – Inconstitucionalidade Formal – Impossibilidade de Prosseguimento.

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1.    RELATÓRIO   

 

Em síntese, trata-se da análise do Projeto de Lei nº 140/2018 de autoria do Vereador José Mansueto Fiorilo que visa obrigar o Município de Juiz de Fora a fornecer medicamentos na rede pública de saúde aos pacientes que apresentarem receitas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS, desde que os medicamentos prescritos estejam de acordo com o REMUNE.

É o breve relatório. Passo a opinar.

 

2.   FUNDAMENTAÇÃO

 

Inicialmente, cumpre esclarecer que este Parecer não analisará o mérito do Projeto de Lei nº 140/2018, se atendo apenas aos aspectos jurídicos, quanto a sua constitucionalidade e legalidade, especialmente em relação à observância da competência e da iniciativa.

A Constituição Federal dividiu as competências legislativas entre a União, os Estados-membros e os Municípios seguindo o critério da preponderância de interesses, de modo que competem à União as matérias de interesse nacional, aos estados-membros as matérias de interesse regional e aos municípios as matérias de interesse local.

 

Analisando a proposição, observa-se que é competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre a proteção e defesa da saúde, in verbis:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII- previdência social, proteção e defesa da saúde.

 

Em que pese isso, o art. 30, incs. I e II da Constituição Federal atribuiu competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, que consiste na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar a sua execução as peculiaridades locais, in verbis:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I- legislar sobre assuntos de interesse local;

II- suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

 

Nas lições de José Nilo de Castro entende-se por interesse local:

“todos os assuntos do Município, mesmo que ele não fosse o único interessado, desde que seja o principal. É a sua predominância; tudo que repercute direta e indiretamente na vida municipal é de interesse local”[1].

 

Por sua vez, assim entende Hely Lopes Meireles:

“Não há interesse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos municípios, como partes integrantes da federação brasileira. O que define e caracteriza interesse local, inscrito como dogma constitucional é a preponderância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União”[2].

 

Dessa maneira, não é possível definir uma matéria que seja de interesse único e exclusivo do Município, sendo reflexamente do interesse estadual e federal. O importante é a preponderância de interesse, sendo de interesse local todas as matérias em que o município seja o principal interessado por dizer respeito às suas necessidades imediatas.

Observa-se que no exercício da competência suplementar é possível aos Municípios legislar sobre as matérias constantes no art. 24 da CF, desde que existam peculiaridades locais hábeis a justificar a regulação.

Nesse sentido, citem-se as lições do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

  

Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normatização municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta. A competência suplementar se exerce para regulamentar a normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais (MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional. 7ª ed, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 886)  

 

In casu, há interesse local que justifica a regulação da matéria pelo município, vez que o projeto versa sobre serviço público de saúde, no que tange ao fornecimento de medicamentos na rede pública de saúde, abrangendo os pacientes que apresentem receitas médicas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS, e dá outras providências, conforme art. 1º da proposição, in verbis:

Art. 1º Fica o Município de Juiz de Fora obrigado a fornecer os medicamentos na rede pública de saúde aos pacientes que apresentem receitas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS.

 

Parágrafo único. Os medicamentos aviados nas receitas deverão estar de acordo com o REMUNE – Relação Municipal de Medicamentos Essenciais.

 

De acordo com o art. 171 da Constituição Estadual de Minas Gerais, cabe ao Município legislar sobre assunto de interesse local, especialmente em matéria de saúde, nestes termos:

Art. 171. Ao Município compete legislar:

I- sobre assuntos de interesse local, notadamente:

(...)

c) a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, plantas e animais nocivos e logradouros públicos.

 

Nesse sentido, a Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora dedicou uma seção inteira para dispor sobre a matéria.

No que tange ao fornecimento de medicamentos a Lei nº 8080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes estabelece que é responsabilidade do Estado a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, garantindo a população acesso aos serviços e ações de saúde, de forma universal, em todos os níveis de assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.

As diretrizes da atenção farmacêutica foram estabelecidas pela Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que define a Política Nacional de Medicamentos, a qual estabelece os critérios para a repartição das competências entre as três esferas federativas.

Nesse sentido, ao Município cabe coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu respectivo âmbito e definir a relação municipal de medicamentos essenciais com base no Rename, bem como assegurar a distribuição adequada dos medicamentos.

Porém, mesmo que a princípio não se vislumbre inconstitucionalidade material, o Projeto de Lei nº 140/2018 encontra óbice no seu prosseguimento por apresentar vício de iniciativa, vez que ao obrigar o Município de Juiz de Fora a fornecer medicamentos aos pacientes que apresentem receitas médicas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS, está invadindo competência exclusiva do chefe do Poder Executivo.

A proposta legislativa apresenta inconstitucionalidade por vício de iniciativa, visto que cria atribuições e despesas ao Poder Executivo, interferindo na organização e funcionamento da Administração ao legislar sobre matéria de competência privativa do Prefeito, ferindo o princípio da separação e harmonia dos poderes.

Nesse sentido, a Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora preceitua que são de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre as atribuições das secretarias e órgãos da administração pública e que compete privativamente ao Prefeito dispor sobre a organização e funcionamento da administração municipal, senão vejamos:

Art. 36. São matérias de iniciativa privativa do Prefeito, além de outras previstas nesta Lei Orgânica:

(...)

III - criação, estruturação, atribuição e extinção das secretarias ou departamento equivalente, órgão autônomo e entidade da administração pública indireta;

 

É defeso a Câmara impor ao Chefe do Poder executivo municipal a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Nesse sentido, manifestou-se o Tribunal de Justiça de São Paulo, citando os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 179.951-0/1-00, julgada em 07/10/2009, in verbis:

Como ensina HELY LOPES MEIRELLES, "A atribuição típica e predominante da Câmara é normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração... De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo, ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial” ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros Editores, São Paulo, 15ª ed., pp. 605/606)

 

Ademais, nas lições de Hely Lopes Meirelles, a execução dos serviços públicos está sujeita em sua completude à direção do Prefeito, sem a interferência da Câmara, nestes termos:

A execução de obras e serviços públicos está sujeita, portanto, em toda a sua plenitude, à direção do prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos) quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade[3]

 

Dessa forma, pelos motivos expostos, verifica-se a inconstitucionalidade formal do Projeto de Lei nº 140/2018, constituindo vício insanável, o qual não pode ser convalidado pela sanção do Prefeito.

 

3.    CONCLUSÃO

 

Pelo exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade formal do Projeto de Lei nº 140/2018, vez que a proposição apresenta vício de iniciativa ao obrigar o Município a fornecer medicamentos aos pacientes que apresentem receitas médicas prescritas por médicos particulares, conveniados ou cooperados a planos de saúde, mesmo que não atendidos pelo SUS, dispondo sobre a organização e funcionamento dos serviços públicos de saúde no município de Juiz de Fora, matéria cuja iniciativa é privativa do chefe do Poder Executivo municipal.

Dessa forma, há óbice ao prosseguimento do Projeto de Lei nº 140/2018 nesta Casa Legislativa.

Ressalta-se que o presente parecer possui caráter consultivo e não vinculante podendo, por isso mesmo, ser superado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação ou pelo Plenário da Casa.

É o parecer que ora submetemos à apreciação da respeitável Comissão de Constituição, Justiça e Redação desta Casa Legislativa.

 

Juiz de Fora, 05 de dezembro de 2018.

 

Bethânia Reis do Amaral

Assistente Técnico Legislativo - Advogada

 



[1] CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo, 4 ed. Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 49

[2] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 17ª ed., 2ª tir., Malheiros, São Paulo, 2014, p. 111

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. Malheiros Editores: 2009, 15ª Edição, São Paulo. 748 p.



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