Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 144/2018  -  Processo: 6989-02 2013

BETHÂNIA REIS DO AMARAL - DIRETORIA JURÍDICA

Parecer nº 203/2018            

Processo nº 6989/2013 – 2º vol.

Projeto de Lei nº 144/2018

Objeto: Dispõe sobre a utilização do tempo de duração restante em setores de quaisquer regiões, pelos usuários do estacionamento rotativo pago nas vias públicas do Município de Juiz de Fora e dá outras providências.

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Ementa: Análise da Legalidade e Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 144/2018 – Inconstitucionalidade Formal – Vício de Iniciativa – Impossibilidade de Prosseguimento.

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1.    RELATÓRIO   

 

Em síntese, trata-se da análise do Projeto de Lei nº 144/2018 de autoria do Vereador Marlon Siqueira, que objetiva permitir ao usuário do estacionamento rotativo pago nas vias públicas do Município de Juiz de Fora a utilização do tempo de duração restante do crédito adquirido em setores de quaisquer regiões, desde que devidamente informado no sistema eletrônico de operação. 

Aduz na justificativa que o Projeto de Lei busca possibilitar ao usuário a efetiva e integral utilização de todo o crédito adquirido para o estacionamento do seu veículo na chamada “Área Azul”, não somente em um determinado setor, mas em setores de quaisquer regiões, permitindo uma flexibilização do período e local quanto ao uso deste serviço público, conforme a conveniência e a necessidade do usuário.

É o breve relatório. Passo a opinar.

 

2.   FUNDAMENTAÇÃO

 

Inicialmente, cumpre esclarecer que este Parecer não analisará o mérito do Projeto de Lei nº 144/2018, se atendo apenas aos aspectos jurídicos, quanto a sua constitucionalidade e legalidade, especialmente em relação à observância da competência e da iniciativa.

Em que pese isso, a Constituição Federal dividiu as competências legislativas entre a União, os Estados-membros e os Municípios seguindo o critério da preponderância de interesses, de modo que competem à União as matérias de interesse nacional, aos estados-membros as matérias de interesse regional e aos municípios as matérias de interesse local.

Nas lições de José Nilo de Castro entende-se por interesse local:

“todos os assuntos do Município, mesmo que ele não fosse o único interessado, desde que seja o principal. É a sua predominância; tudo que repercute direta e indiretamente na vida municipal é de interesse local”[1].

 

Por sua vez, assim entende Hely Lopes Meireles:

“Não há interesse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos municípios, como partes integrantes da federação brasileira. O que define e caracteriza interesse local, inscrito como dogma constitucional é a preponderância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União”[2].

 

Desse modo, não é possível definir uma matéria que seja de interesse único e exclusivo do Município, sendo reflexamente do interesse estadual e federal. O importante é a preponderância de interesse, sendo de interesse local todas as matérias em que o município seja o principal interessado por dizer respeito às suas necessidades imediatas.

De acordo com o art. 22, inc. XI da CF compete privativamente a União legislar sobre trânsito, senão vejamos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XI. trânsito e transporte.

 

 Face a tal competência a União legislou e instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9503/1997), que disciplina sobre o trânsito em todo o território nacional.

Nesse sentido, o Código de Trânsito Brasileiro atribuiu competência ao Município para regulamentar e operar o trânsito de veículos na cidade, conforme inc. II do art. 24, in verbis:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(...)

II. planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas.

 

Para não deixar margem de dúvidas o CTB definiu o conceito de trânsito de veículos logo no art. 1º, §1º, incluindo neste conceito o estacionamento de veículos em vias públicas:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

 § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

 

Desse modo, insere-se na competência municipal, sendo considerado assunto de interesse local, a matéria versada no Projeto de Lei nº 144/2018, que objetiva permitir ao usuário do estacionamento rotativo pago nas vias públicas do Município de Juiz de Fora a utilização do tempo de duração restante do crédito adquirido em setores de quaisquer regiões, desde que devidamente informado no sistema eletrônico de operação. 

Porém, mesmo que a princípio não se vislumbre inconstitucionalidade material, o Projeto de Lei nº 144/2018 encontra óbice no seu prosseguimento por apresentar vício de iniciativa, pois de acordo com o mesmo dispositivo (inc. II do art. 24 do CTB), compete aos órgãos ou entidades executivas do município a regulamentação do trânsito de veículos na cidade.

Complementando tal dispositivo legal, a resolução 302 de 18 de dezembro de 2008 do CONTRAN dispõe que as áreas destinadas ao estacionamento de veículos em vias públicas são regulamentas pelo órgão ou entidade executiva de trânsito com circunscrição sobre a via:

Art.1º As áreas destinadas ao estacionamento específico, regulamentado em via pública aberta à circulação, são estabelecidas e regulamentadas pelo órgão ou entidade executiva de trânsito com circunscrição sobre a via, nos termos desta Resolução.

 

No município de Juiz de Fora, a Secretaria de Transporte e Trânsito (SETTRA) é o órgão responsável por regulamentar e operar o tráfego e o trânsito de veículos na cidade, conforme dispõe o art. 6º do Decreto nº 9744 de 1º de janeiro de 2009:

Art. 6º. A Secretaria de Transporte e Trânsito – SETTRA tem por objeto o planejamento, a organização, a direção, a coordenação, a execução, a delegação, o controle e a fiscalização da prestação dos serviços públicos relativos a transporte coletivo e individual de passageiros, tráfego, trânsito e sistema viário municipal, competindo-lhe essencialmente:

(...)

X- implantar, administrar, operar, controlar, fiscalizar e policiar os sistemas de transporte, tráfego e trânsito municipais;

 

Desse modo, o Projeto de Lei nº 144/2018 trata de matéria de competência municipal, mas de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, de competência da SETTRA, órgão da Administração Direta, vinculado diretamente ao chefe do Poder Executivo.

Associado a isto, o inciso XXIII do artigo 47 da Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora dispõe que compete ao Prefeito à organização dos serviços internos das repartições criadas por lei, verbis:

Art. 47. Compete ao Prefeito, entre outras atribuições:

(...)

XXIII - organizar serviços internos das repartições criadas por lei, sem exceder as verbas para tal destinadas

 

Significa dizer que ao Poder Executivo Municipal compete privativamente legislar sobre assunto relativo à administração municipal e às atribuições de órgãos públicos, e segundo alguns autores, dentro destes conceitos estaria abarcada a competência para legislar sobre trânsito.

Citem-se as lições de Hely Lopes Meireles[3]:

 

De um modo geral, pode-se dizer que cabe à União legislar sobre assuntos nacionais de trânsito e transporte, ao Estado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu território, e ao Município cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de seu interesse local (CF, art. 30, I e V) (...) Na competência do Município insere-se, portanto, a fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, e tudo o mais que afetar a vida da cidade  

 

Em decorrência disso, o Projeto de Lei nº 144/2018 representa ingerência indevida no Poder Executivo, em clara violação a independência e a harmonia entre os poderes (art. 2º da CF), pois versa sobre matéria eminentemente administrativa.

Nesse sentido é o teor do voto no acórdão da ADI 994.09.220008-8, Guarulhos, de relatoria do Desembargador Maurício Vidigal:

 “Este tribunal tem reiteradamente decidido que a atuação administrativa do Poder Executivo não pode ser coarctada por atos do Legislativo. Conforme decisões proferidas nas ADINs n°s 553.583-0, 43.987, 38.977, 41.090-1, ‘Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito’. Há, portanto, vício na iniciativa na lei discutida. Como a douta Procuradoria Geral da Justiça já teve a oportunidade de afirmar em outra ocasião, ‘Ao Poder Legislativo é vedada a condução da administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de ‘Governo’, que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo – administração da Cidade – é do Executivo” (grifos nossos).

Por fim, destaca-se a decisão do STF no julgamento do recurso extraordinário interposto contra acórdão do TJSP no julgamento de caso semelhante, em que confirma o entendimento adotado pela instância judicante de origem, no sentido de que é da competência privativa do chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que versem sobre atribuições dos órgãos públicos:

 

DECISÃO: vistos, etc. Trata-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 102 da Constituição Republicana, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão assim ementado (fls. 93): “ADIn.- Lei n° 11.328, de 30/12/1992, do Município de São Paulo.- Dispõe sobre a criação do talão de Zona Azul com duração do 1 (uma) hora.- Lei de iniciativa de Vereador.- Sanção que não sana o vício de iniciativa.- Matéria relativa à direção superior da administração municipal.- Compete ao Chefe do Executivo administrar os bens Municipais e permitir seu uso, mediante remuneração.- Preço público ou tarifa.- Pedido Julgado procedente.” 2. Pois bem, o recorrente aponta violação ao art. 2º, ao caput do art. 61 e ao inciso II do art. 145, todos da Magna Carta de 1988. Defende a constitucionalidade da Lei municipal 11.328/1992, que dispõe sobre a criação da “zona azul”de estacionamento do município de São Paulo, sustentando que: a) a matéria objeto da norma declarada inconstitucional não se insere dentre aquelas de iniciativa privativa do chefe do Executivo; b) “o Poder Legislativo limitou-se a cumprir sua função típica, qual seja, de legislar; outorgando, de forma genérica e abstrata, a todos os munícipes, a possibilidade de estacionamento em Zona Azul durante 01 (uma) hora” (fls. 180); c) “o estacionamento em sistema de zona azul é custeado através de taxa, como decorrência do poder de polícia (e não através de preço público ou tarifa); taxa essa que poderia ser fixada (…) por norma de iniciativa do Legislativo Paulistano” (fls. 187). 3. A seu turno, a Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral Rodrigo Janot Monteiro de Barros, opina pelo desprovimento do apelo extremo. 4. Tenho que a insurgência não merece acolhida. No caso, o Tribunal carioca afirmou que a Lei municipal 11.328/1992 trata de matéria afeta à competência exclusiva do chefe do Poder Executivo Municipal, pois, ao criar a “zona azul” de estacionamento do município de São Paulo, dispôs sobre permissão de uso de bens municipais, bem como concedeu dispensa de pagamento de preço público a determinadas categorias de agentes públicos. Ora, para divergir desse entendimento seria necessária a análise da referida lei, providência que é vedada nesse momento processual conforme a Súmula 280/STF. 5. De mais a mais, anoto que o entendimento adotado pela instância judicante de origem afina com a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido de que é da competência privativa do chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que versem sobre atribuições de órgãos da Administração Pública. Leia-se, a propósito, a ementa do RE 627.255, da relatoria da ministra Cármen Lúcia: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. JULGADO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.” 6. Nesse mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal, que adoto como razão de decidir. Leia-se do pronunciamento ministerial (fls. 269/271): “De fato, a Lei Municipal nº 11.328/92, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre a criação do talão de estacionamento ‘Zona Azul’ com duração de uma hora, matéria inserida, por disposição contida no art. 61, §1º, II, alíneas a e e, da Constituição Federal, no âmbito de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, e, no caso, por aplicação do princípio da simetria, do Prefeito Municipal. Cumpre notar que o serviço de estacionamento rotativo em vias públicas, em que pese sua delegação mediante concessão a ente privado que se incumbe da administração direta do bem, constitui serviço público que somente pode ter seus parâmetros definidos por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Desse modo, cabe ao Prefeito Municipal deflagrar o processo legislativo e, a posteriori, regulamentar a lei correspondente. Na verdade, a norma ora impugnada possui caráter regulamentar, pois trata ato administrativo propriamente dito, aspecto procedimental concernente à exploração de bem municipal. Assim, também por malferido o art. 84, VI, a, da Carta Política, que determina ser da competência privativa do Chefe do Executivo os atos relativos à organização e ao funcionamento da Administração Pública […] Desse modo, a iniciativa parlamentar de lei que versa sobre serviços públicos denota ingerência do Poder Legislativo no âmbito de atuação reservado ao Poder Executivo, constituindo ofensa ao princípio constitucional da reserva da administração, corolário da separação de poderes. Ademais a sanção da lei municipal pelo Chefe do Executivo não é suficiente para convalidar o vício formal de iniciativa, sendo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que ‘a só vontade do Chefe do Executivo revela-se juridicamente insuficiente para convalidar o defeito radical oriundo do descumprimento da Constituição da República’ (ADI 1.070-MC/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 15.9.95).” 7. Outros precedentes: RE 396.970-AgR, da relatoria do ministro Eros Grau, AIs 769.012, da relatoria do ministro Celso de Mello, 778.815, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, ADIs 2.646, da relatoria do ministro Maurício Corrêa e 3.751, da relatoria do ministro Gilmar Mendes. Isso posto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 07 de dezembro de 2011. Ministro AYRES BRITTO Relator   

(RE 503846, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, julgado em 07/12/2011, publicado em DJe-022 DIVULG 31/01/2012 PUBLIC 01/02/2012)

 

Dessa forma, em consonância com os Pareceres Legislativos nº 194/2018 e nº 201/2018, opina-se pela inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 144/2018.

 

3.    CONCLUSÃO

 

Pelo exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº 144/2018, vez que apresenta vício de iniciativa ao dispor sobre matéria de competência da Secretaria de Transporte e Trânsito (SETTRA), órgão da Administração Direta, vinculado diretamente ao chefe do Poder Executivo, o qual possui a iniciativa sobre a matéria.

Dessa forma, há óbice ao prosseguimento do Projeto de Lei nº 144/2018 nesta Casa Legislativa.

É o parecer que ora submetemos à apreciação da respeitável Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa Legislativa.

 

Juiz de Fora, 21 de novembro de 2018.

 

Bethânia Reis do Amaral

Assistente Técnico Legislativo - Advogada



[1] CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo, 4 ed. Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 49

[2] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 17ª ed., 2ª tir., Malheiros, São Paulo, 2014, p. 111

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2000, PP. 417 e 419.



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