Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 251/2017  -  Processo: 1024-02 2017

PARECER - 310/2017 - DIRETORIA JURÍDICA

Parecer n°: 310/2017

Processo nº: 1024/1994 2º vol.

Projeto de Lei nº: 251/2017

 

OBJETO: Altera o art. 2º e o inciso II do art. 3º da Lei 11.755/2009.

 

EMENTA: Altera lei que dispõe sobre a obrigatoriedade de audiência pública para reajuste de tarifa de transporte coletivo urbano municipal e reajuste de tarifa de serviço de táxi. Competência do Chefe do Poder Executivo. Violação ao Princípio da Separação dos Poderes. Inconstitucionalidade.

 

 

 

 

 

1. RELATÓRIO

 

   

O projeto de lei em questão dispõe sobre a retificação do art. 2º e do inciso II do art. 3º da Lei 11.755 de 23 de abril de 2009. Propõe-se alterar o prazo de 10 (dez) dias úteis para 30 (trinta) dias úteis para solicitar ao Presidente do Poder Legislativo Municipal a realização de Audiência Pública e, assim, apresentar a planilha de cálculo tarifário para reajuste no transporte coletivo e no serviço de táxi no Município de Juiz de Fora. Ademais, acrescenta ao inciso II do art. 3º que deverão ser convocados a participar da audiência pública os consórcios de Juiz de Fora, mantendo-se a disposição para convocar também todos os membros do Conselho Municipal de Transporte.

Apresenta-se como justificativa a intenção de aumentar o prazo para ser discutido o aumento da tarifa de transporte coletivo urbano, devido ao impacto que tal reajuste provoca, de modo a se buscar uma melhor solução para ambas as partes envolvidas.

É o bastante relatório. Passa a opinar.

 

   

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

    Inicialmente, cabe destacar que a Carta Magna de 1988 prevê em seu art. 175 que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”.

No que tange à competência legislativa sobre a matéria suscitada, verifica-se que, conforme art. 30, I da Constituição Federal e art. 171, I da Constituição Estadual de Minas Gerais, compete ao município legislar sobre assuntos de interesse local.

    Entende-se como interesse local todo e qualquer assunto de origem do Município, considerado primordial, essencial e que de forma primaz atinge direta ou indiretamente a vida do município e de seus munícipes.

Nas lições de Hely Lopes Meirelles:

 

[...] interesse local não é interesse exclusivo do Município, não é interesse privativo da localidade, não é interesse único dos munícipes [...]. Não há interesse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos municípios, como partes integrantes da federação brasileira. O que define e caracteriza interesse local, inscrito como dogma constitucional é a preponderância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003).

 

Em relação ao inciso II do art. 30 da Constituição Federal de 1988, está previsto que “Compete aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”, tratando assim da competência legislativa suplementar do Município.

    Assim, é da competência dos municípios legislar sobre assuntos de interesse local, que no caso se refere à prestação de serviços públicos, como se depreende dos incisos do artigo 30 da Constituição Federal, abaixo destacados:

 

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

 

Ademais, na Constituição Estadual de Minas Gerais, em seu art. 170, compete ao município dispor acerca da organização e prestação de serviços públicos de interesse local, como o transporte coletivo de passageiros, a ser destacado:

 

Art. 170 – A autonomia do Município se configura no exercício de competência privativa, especialmente:

VI – organização e prestação de serviços públicos de interesse local, diretamente ou sob regime de concessão, permissão ou autorização, incluído o transporte coletivo de passageiros, que tem caráter essencial.

Parágrafo único – No exercício da competência de que trata este artigo, o Município observará a norma geral respectiva, federal ou estadual.

 

Outrossim, a Lei Orgânica prevê que cabe ao município promover os serviços de interesse local, destacando-se o transporte público abaixo:

 

Art. 16. Cabe ao Município, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, com observância ao que preceituam as regras gerais de licitação, promover e executar as obras e serviços de interesse local que, por sua natureza e extensão, não possam ser atendidas pela iniciativa privada.

 

Art. 68. O transporte é um direito fundamental do cidadão, sendo de competência do Município organizar e prestar diretamente, ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços de transporte coletivo urbano, tendo como alvos: (...)

 

Art. 70. Compete ao Município, na forma da lei, planejar, organizar, implantar, controlar, fiscalizar e regulamentar o transporte público, no âmbito do Município, bem como executá-lo, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. § 1º A delegação para a prestação dos serviços de transporte público urbano, individual ou coletivo, será outorgada através de licitação, nos termos da legislação em vigor. § 2º A lei disporá sobre a organização e a prestação dos serviços de transportes públicos, respeitadas as interdependências com outros Municípios, o Estado e a União.

 

No que concerne à audiência pública, a Lei Orgânica prevê que poderá ser feita a convocação para prestar informação sobre assunto previamente determinado, através de membros da Administração Pública Direta e Indireta, como se verifica abaixo:

 

Art. 25. A Câmara Municipal poderá convocar, a requerimento de qualquer Vereador, por maioria de seus membros, Secretário Municipal, Diretor, Assessor ou de Agente Público subordinado diretamente ao Prefeito, da Administração Pública direta ou indireta para, pessoalmente, prestarem informações sobre assunto previamente determinado, sob pena de responsabilidade o não comparecimento sem justificação adequada.

Parágrafo único. A convocação de que trata este artigo poderá ser requerida para participação em reuniões ordinárias, extraordinárias e audiências públicas.

 

    Entretanto, a Lei Orgânica prevê que as tarifas dos serviços públicos deverão ser fixadas pelo Executivo, consoante art. 17, ipsis litteris:

 

Art. 17. As tarifas dos serviços públicos deverão ser fixadas pelo Executivo, tendo em vista a justa remuneração e equidade.

 

Conquanto seja matéria de âmbito municipal, trata-se de matéria de competência do Chefe do Poder Executivo, não cabendo a iniciativa do projeto de lei à Vereador da Casa Legislativa, ocorrendo, pois, vício material.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 2º o Princípio da Separação dos Poderes ao estabelecer que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Além disso, segundo o art. 6º, parágrafo único, e o art. 173, §1º, ambos da Constituição Estadual de Minas Gerais, é vedada a usurpação de função por qualquer dos poderes.

Outrossim, na Constituição Federal de 1988, se estabelece em seu art. 61, §1º, inciso II, alínea b, que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre “organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos territórios;”.

Desse modo, em decorrência do princípio da simetria, verifica-se que tais disposições são de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais, de maneira que também compete ao Chefe do Poder Executivo municipal a tarefa alusiva à organização administrativa municipal e aos serviços públicos.

Corrobora com tal entendimento a decisão exarada pelo STF, nos autos da ADI 2.840-5/ES:

 

(...) É firme nesta Corte o entendimento de que compete exclusivamente ao Chefe do Executivo a iniciativa das leis que disponham sobre remuneração de pessoal, organização e funcionamento da Administração. O desrespeito a esta reserva, de observância obrigatória pelos Estados-membros por encerrar corolário ao princípio da independência dos Poderes, viola o art. 61, § 1º, II, a e e da Constituição Federal. Precedentes: ADI 2.646, Maurício Correa, ADI 805, Sepúlveda Pertence, ADI 774, Celso de Mello, ADI 821, Octavio Gallotti e ADI 2186- MC, Maurício Corrêa.

 

Mister citar o ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, segundo o qual são da atribuição do prefeito as atividades governamentais e administrativas do município, a seguir destacadas:

 

As atribuições do prefeito são de natureza governamental e administrativa: governamentais são todas aquelas de condução dos negócios públicos, de opções políticas de conveniência e oportunidade na sua realização e, por isso mesmo, insuscetíveis de controle por qualquer outro agente, órgão ou Poder; administrativas são as que visam à concretização das atividades executivas do Município, por meio de atos jurídicos sempre controláveis pelo Poder Judiciário e, em certos casos, pelo Legislativo local. (Direito Municipal Brasileiro”, 15ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2006, p. 711).

 

Dessa forma, se destaca no art. 46 da Lei Orgânica Municipal de Juiz de Fora a atribuição concedida ao prefeito para adotar as medidas administrativas a serem tomadas, in verbis:

 

Art. 46. Ao Prefeito, como Chefe da Administração Municipal, compete dar cumprimento às decisões da Câmara Municipal, dirigir, fiscalizar, e defender os interesses do Município, bem como adotar, de acordo com a lei, todas as medidas administrativas de interesse público, sem exceder as verbas orçamentárias.

 

Assim, não compete a Vereador dispor acerca de lei que interfira na atribuição fixada ao Chefe do Poder Executivo uma vez que implica ingerência do Poder Legislativo, de modo a configurar afronta ao Princípio da Independência dos Poderes ao dispor sobre o reajuste de tarifas na prestação de serviços de transporte público municipal.

Por fim, colaciona-se a jurisprudência abaixo, a qual dispõe acerca da obrigatoriedade de convocação de audiência pública prévia ao reajuste de tarifa de transporte coletivo urbano, considerando-se tal disposição inconstitucional, in verbis:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE GUARAPUAVA N.º 2.054/2012. PREVISÃO DA OBRIGATORIEDADE DE CONVOCAÇÃO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA PRÉVIA AO REAJUSTE DE TARIFA DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO. CONVOCAÇÃO DA AUDIÊNCIA PELO PODER LEGISLATIVO, SOB PENA DE NULIDADE DOS ATOS DE REAJUSTE TARIFÁRIO.INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 2 VERIFICAÇÃO. MATÉRIA ATINENTE A POLÍTICA TARIFÁRIA. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. NÃO OBSERVÂNCIA. ART.146, § 1º, INCISO III, DA CARTA ESTADUAL. APLICAÇÃO POR SIMETRIA.INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL.VIOLAÇÃO AO ART. 87, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INTROMISSÃO INDEVIDA DO PODER LEGISLATIVO EM TEMÁTICA DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO PRINCÍPIO REPUBLICANO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. ART. 7º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. 1. A definição da política tarifária é tema constitucionalmente entregue a lei complementar, nos termos do art. 146, § 1º, inciso III, da Carta Paranaense, razão pela qual as matérias atinentes à definição das tarifas públicas não podem ser veiculadas por meio de lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade formal. 2. A previsão de audiência pública prévia ao reajuste tarifário, a ser convocada pelo Poder Legislativo, viola a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a organização e funcionamento da Administração Pública Municipal, estabelecida no art.87, inciso VI, da Constituição Estadual, além de desrespeitar o princípio da separação entre poderes (art.7º da Constituição Estadual do Paraná). 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (TJ-PR - Assistência Judiciária: 10816287 PR 1081628-7 (Acórdão), Relator: Luiz Carlos Gabardo, Órgão Especial, Data de Publicação: DJ: 1383)

 

 

3. CONCLUSÃO

 

    Ex positis, manifesta-se pela inconstitucionalidade do projeto de lei apresentado por violar o Princípio Republicano da Separação dos Poderes, uma vez que compete ao Chefe do Poder Executivo dispor acerca dos serviços públicos municipais.

Destarte, ainda que se possam reconhecer como relevantes e meritórias as razões que justificam a pretensão do Legislativo, a nosso ver, o projeto de lei, de autoria de Vereador, não merece, consequentemente, prosperar, pelos motivos supramencionados.

Esse é o nosso atual entendimento acerca dos assuntos em tela, sem embargo de eventuais posicionamentos em sentido contrário, de modo que submetemos à apreciação pela respeitável Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa.

      

       Juiz de Fora, 16 de novembro de 2017.

     

 

Cláudia Pereira Vaz de Magalhães

Assistente Técnico Legislativo - Advogada

   

  


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