Brasão de Juiz de Fora CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

Proposição: PLEI - Projeto de Lei
Número: 62/2014  -  Processo: 7145-00 2014

NAUTILOS TORGA - DIRETORIA JURÍDICA

PARECER Nº: 54/2014.

 

PROCESSO Nº: 7145/14

 

PROJETO DE LEI Nº: 62/2014.

 

EMENTA: “Dispõe sobre doação e cessão de uso real de imóveis do município de Juiz de Fora e dá outras providências”.

 

AUTORIA:     Vereador Jucélio.

 

INDEXAÇÃO:

_____________________________________________________________________

 

I. RELATÓRIO

 

O Ilustre Vereador Noraldino Júnior, Presidente da Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa, solicita parecer acerca da constitucionalidade e da legalidade da Mensagem nº 4000 de autoria do Executivo Municipal que “Dispõe sobre a desafetação e a investidura das áreas públicas que menciona”.

 

Em sua justificativa, o ilustre Edil aduz que “(...) A proposição se justifica, uma vez que traz para as empresas que vierem a se instalar nesta cidade, após a vigência da lei, não só a responsabilidade com o desenvolvimento econômico da cidade, como a geração de empregos e arrecadação de impostos, mas também o compromisso com o desenvolvimento cultural da cidade.

 

Com os valores referentes aos percentuais fixados nesta lei, muito mais cidadãos serão beneficiados, uma vez que a Fundação Museu Mariano Procópio é responsável por um patrimônio cultural de importância internacional. Atualmente nossa população está cerceada de ter o contrato com obras históricas do Museu em razão da falta de recursos para sua reabertura.

 

Com a abertura e valorização da MAPRO haverá também incentivo ao turismo, o que certamente contribuirá com a captação de recursos para a cidade (...)”.

 

Ressaltou, também, a competência legislativa sobre a matéria, embasada nos artigos 23 e 30 da Constituição Federal e art. 171 da Constituição Estadual, destacando que a matéria é de interesse local.

 

 

Em apertada síntese é o relatório.

 

 

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

Pela ordem, no que concerne à competência legislativa sobre a matéria em questão, não há qualquer impedimento, visto que as Cartas Magna e Mineira dispõem sobre normas que autorizam os Municípios a legislarem sobre assuntos de interesse local, senão vejamos:

 

Constituição Federal:

 

“Art. 30 - Compete aos Municípios:

 

I - legislar sobre assuntos de interesse local;”

 

Constituição Estadual:

 

“Art. 171 – Ao Município compete legislar:

 

I – sobre assuntos de interesse local...”

 

Por interesse local entende-se “todos os assuntos do Município, mesmo em que ele não fosse o único interessado, desde que seja o principal. É a sua predominância; tudo que repercute direta e imediatamente na vida municipal é de interesse local”. (CASTRO José Nilo de, in Direito Municipal Positivo, 4. ed., Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p. 49).

 

A competência municipal, portanto, reside no direito subjetivo público de tomar toda e qualquer providência, em assunto de interesse local, isto é, em assuntos de seu peculiar interesse, legislando, administrando, tributando, fiscalizando, sempre nos limites ou parâmetros fixados pela Constituição da República e também pela Constituição Estadual.

 

Nesse sentido, leciona José Cretella Júnior:

 

“Peculiar interesse, desse modo, é aquele que se refere, primordialmente e diretamente, sem dúvida, ao agrupamento humano local, mas que também atende a interesses de todo país”.

 

Neste mesmo diapasão trazemos a seguinte lição de José Carlos Cal Garcia:

 

“A autonomia municipal, na dicção da Carta Magna, é total no que concerne aos assuntos de interesse local. Esse interesse local, em que pese a aparente redundância, é tudo aquilo que o Município, por meio de lei, entender do interesse de sua comunidade. O sistema constitucional autoriza a afirmação. Seria estranho, na realidade, se o Município tivesse que auscultar órgãos ou autoridades a ele estranhos, para saber o que é e o que não é do interesse local”.

(Linhas Mestras da Constituição de 1988, ed. Saraiva, 1989, p. 83).

 

Portanto, não há óbice quanto à competência, já que a matéria é de interesse local.

 

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, também não vislumbramos nenhum vício no presente Projeto de Lei, devendo-se observar que não se trata de alienação de bens imóveis do Município (art. 10 da LOM), nem tão pouco de empréstimo dos mesmos, que é prerrogativa do Prefeito, mas tão somente acrescentar mais uma forma de atendimento ao interesse público nas doações e “cessões” (sic) de imóveis pelo Município.

 

Destaca-se, pois, que a alienação de bens imóveis do Município está sujeita às regras emanadas na Lei Orgânica Municipal, que trata do assunto com precisão em seu Art.9°, verbis:

 

Art. 9°. A alienação dos bens públicos municipais, subordinada a existência de interesse público devidamente justificada, será precedida de prévia avaliação feita por perito habilitado de órgão competente do Município e obedecerá as normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública.   

 

§ 1º A alienação de bens imóveis de que trata o caput deste artigo, submeter-se-á a justificativa, avaliação e autorização legislativa prévia, mediante aprovação de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

 

E, também, na Lei Federal nº 8.666/93, sendo de especial interesse o seu art. 17, I, por estabelecer que a alienação de bens da administração pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e, em se tratando de bem imóvel, dependerá de autorização legislativa. Vejamos o que dita a referida Lei 8.666/93:

 

“Art. 17. A alienação de bens da Administração pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:

 

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da Administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

 

Entretanto, ao analisarmos o § 2º do art. 9º da Lei Orgânica Municipal, verifica-se que a preferência do Município na alienação de bem público é pelo instituto da concessão de direito real de uso, senão vejamos:

 

Art. 9º (...)

 

§ 2º. O Município, preferencialmente à venda ou doação de bens imóveis, outorgará concessão de direito real de uso mediante prévia autorização legislativa e concorrência, dispensada esta nas hipóteses previstas nas normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública e nos casos de destinação a entidades assistenciais ou de relevante interesse público, devidamente justificado.

 

Nesse diapasão, mister se faz trazermos a baila as definições dos institutos da concessão de uso e da cessão de uso, para melhor entendimento do caso.

 

Cessão de uso é aquela em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade.

 

Com relação à cessão de uso, ensina Hely Lopes Meirelles que ela se caracteriza, basicamente, por ser um ato de colaboração entre repartições públicas:

 

“Cessão de uso é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando. (...)  A cessão de uso entre órgãos da mesma entidade não exige autorização legislativa e se faz por simples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário de administração através do qual o Executivo distribui seus bens entre suas repartições para melhor atendimento do serviço. (...) Em qualquer hipótese, a cessão de uso é ato de administração interna que não opera a transferência de propriedade e, por isso, dispensa registros externos.”

 

A concessão é o instituto empregado nos casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública de maior vulto e, consequentemente, mais onerosas para o concessionário. O prazo do acordo deve ser mais prolongado, assegurando um mínimo de estabilidade no exercício das atividades pretendidas. A forma mais adequada é a contratual, que permite, mediante acordo de vontades entre concedente e concessionário, estabelecer o equilíbrio econômico do contrato e estipular as condições em que o uso se exercerá, dentre elas, a finalidade, o prazo, a remuneração, a fiscalização, as sanções.

 

 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra "Direito Administrativo", sustenta que a cessão de uso é espécie do gênero concessão de uso, fazendo uma breve distinção entre os institutos.

 

"Comparando-se a cessão com outros institutos de direito público, ela se apresenta como espécie do gênero concessão de uso. Esta pode ser gratuita ou onerosa, por tempo determinado ou indeterminado; pode ter por objeto bens públicos de qualquer natureza e pode atender aos mais variados fins públicos e até ser de utilidade privada do concessionário (como no caso da concessão de sepultura); a cessão é sempre gratuita, por tempo determinado, e só pode ter por objeto bens dominicais, só podendo ser conferida para os fins definidos nos citados dispositivos da legislação federal."

 

Dessa forma, com vistas a atender o dispositivo da Lei Orgânica que privilegia o instituto da Concessão de direito real de uso (art. 9º, § 2º), entendemos por bem, que a presente proposição deverá tratar do instituto da “concessão” e não da “cessão” conforme se verifica no texto do Projeto de Lei.

 

Feita tais considerações, analisando o projeto de lei em tela verifica-se que o nobre Edil pretende obrigar as empresas que receberem imóveis doados pelo Município, a destinem 8% (oito por cento) do valor do imóvel, em projetos relacionados à Fundação Museu Mariano Procópio.

 

Não parece absurdo, no caso sob análise, que as empresas que receberem imóveis doados pelo Município destinem determinado valor a ser aplicado no desenvolvimento cultural e turístico da cidade através do Museu Mariano Procópio, que a muito tempo carece de verbas para sua reforma e reabertura.

 

Não podemos desconsiderar, que dessa forma, está se privilegiando o interesse público primário, pois, tal contrapartida será revertida para coletividade em forma de aplicação nos projetos relacionados à Fundação Museu Mariano Procópio.

 

Dessa forma, ficará evidenciado o interesse público primário na doação, qual seja, a contrapartida da doação à coletividade Juizforana. Como bem ensina Luís Roberto Barroso, hoje Ministro do supremo Tribunal Federal:

 

“O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado com o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.

 

“... essa distinção não é estranha à ordem jurídica brasileira. É dela que decorre, por exemplo, a conformação constitucional das esferas de atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública. Ao primeiro cabe a defesa do interesse público primário; à segunda, a do interesse público secundário. Aliás, a separação clara dessas duas esferas foi uma importante inovação da constituição federal de 1988. É essa diferença conceitual entre ambos que justifica, também, a existência da ação popular e da ação civil pública, que se prestam à tutela dos interesses gerais da sociedade, mesmo quando em conflito com interesses secundários do ente estatal ou até dos próprios governantes.

 

“O interesse público secundário não é, obviamente, desimportante. Observa-se o exemplo do erário. Os recursos financeiros proveem os meios para a realização do interesse primário, e não é possível prescindir deles. Sem recursos adequados, o Estado não tem capacidade de promover investimentos sociais nem de prestar de maneira adequada os serviços públicos que lhe tocam. Mas, naturalmente, em nenhuma hipótese será legítimo sacrificar o interesse público primário com o objetivo de satisfazer o secundário. A inversão da prioridade seria patente, e nenhuma lógica razoável poderia sustentá-la”[1]

 

Assim sendo, o projeto de lei em tela, a nosso ver, não apresenta irregularidades, podendo seguir seus trâmites normais nesta Casa Legislativa.

III. CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, sem adentrarmos no mérito da proposição, entendendo que o município tem competência para legislar sobre a matéria, não existindo vício de iniciativa, concluímos que o presente projeto de lei é Constitucional e Legal, não havendo óbice ao seu prosseguimento.

 

Porém, sugerimos s.m.j., que a presente proposição deverá tratar do instituto da “concessão” nos termos do Art. 9º, § 2º, da Lei Orgânica Municipal e não do instituto da “cessão”, conforme se verifica no texto do Projeto de Lei.

 

Insta esclarecer que todo o exposto trata-se de um parecer opinativo, ou seja, tem caráter técnico-opinativo. Nesse sentido é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que, de forma específica, já expôs a sua posição a respeito, verbis:

 

“O parecer emitido por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo. Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex oficio da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na espécie simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser, ou não, considerado pelo administrador.”[2]

 

É o nosso parecer, s.m.j., que ora submetemos, à apreciação da digna Comissão de Legislação, Justiça e Redação desta Casa.

 

Palácio Barbosa Lima, 20 de novembro de 2014.

 

Nautilos Torga Junior

Procurador I



[1] Prefácio à obra “Interesses Públicos X Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público”, Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 2005.

[2] Mandado de Segurança n° 24.584-1 - Distrito Federal - Relator: Min. Marco Aurélio de Mello – STF.



[CMJF - Câmara Municipal de Juiz de Fora] [iS@L]